quinta-feira, 12 de junho de 2014

Verônica



Verônica amava o silêncio. Mas, o silêncio incomodava. As pessoas são apegadas às palavras e não a gestos, pois os gestos as fazem ter de interpretar, elas não querem isso, querem algo mais fácil e falar é mais fácil, mesmo que às vezes, a ignorância não deixe ser entendida a mensagem que quer se passar. A linda moça, não falava por não gostar de falar, não expressava qualquer sentimento e seu olhar era sempre vago. Ela achava que o mundo era grande demais, pois isso resolveu recolher as palavras a fim de indagar, já que ninguém tinha boa vontade de ceder um tempo a uma filosofia que ela pudesse entender os humanos. 
Ela não tinha qualquer sintoma de doença física, era saudável, porém havia algo: era intensa demais; ou era infernal ou angelical, tudo isso sem falar nada. Mas também, um olhar seu já bastava, ou era de amor ou de ódio. Não por ela saber odiar, era uma imitação de ódio que ela entendia por si só, um espécie de repulsão pela ignorância alheia, a falta de vontade de conhecer e se importar com seu próximo. E o que ela conseguia dar em troca, era um olhar ou nenhum. 
Sua família a levara a todos os psiquiatras do país, mas Verônica não respondia, não piscava, não se movimentava, apenas abria seus grandes olhos azuis fixamente manipuladores para quem quer que fosse, que estivesse atrás de um jaleco branco, escrito "doutor". Sempre sem expressão. Não mexia nem as sobrancelhas. 
Eles diziam que ela não estava na fase certa de aprendizagem, que ela não tinha autonomia o suficiente para lidar com sua personalidade e, que era isso que seus pais queriam tanto. Ninguém sabia do que Verônica gostava, por justamente ela nunca desejar falar ou manifestar gostar de alguma coisa. 
Seu processo de construção da etapa normal da vida humana, como: cognitivo, psicossocial e biossocial estava estagnado. Ela não reagia. Não na frente de pessoas errantes e imperfeitas, feito ela, em processo de evolução cuja moral crescia paulatinamente e, que eram preenchidas de vazios sem sentido, mas cheios de onipotência/prepotência, os fazendo crer que eram mais que os outros. Não eles que fariam ela falar alguma coisa. Não eles.
Ela vivia um nada, mas não para ela. Ela por opção se trancar por um tempo dentro dela mesma, para que esse momento passasse sem que ela machucasse alguém que tentasse entender de forma errada o que ela estava querendo. Só uns momentos de silêncio. Só.
Seu mundo interior era somente seu e demais ninguém. também era um tipo de refúgio.
Uma vez ela pensou que seu problema já havia se desenvolvido desde o tempo ultrauterino. Que quando feto não interagia, nem mexia, ou talvez tenha sido a falta de sensibilidade da mãe dela durante a gravidez. E talvez, nem o neurotransmissor dopamina tenha ajudado a transmitir algum sintoma de amor, nesse caso o cortisol tenha sido o culpado por toda essa destruição neurológica de Verônica, mas o cerebelo funcionara bem, ela tentava manter o equilíbrio frente a qualquer ser humano.
Todavia, Verônica não era de plástico, não sofria adaptações. E nem mesmo, através das lágrimas ela deixava extrair os sentimentos reprimidos. Havia um aglomerado ali dentro daquele mundo calado que se mesclava cada vez mais, intercalando emoções, sentimentos e sensações.
Verônica só se tornou mais intensa depois que sua mãe a obrigou a escolher um curso de graduação. Ela nunca gostou da escola. Sofreu com a falta de compreensão dos seus colegas e até mesmo dos seus professores. Havia a marcação cerrada por ela não querer falar e o psicólogo havia desistido de ajudá-la, porque toda vez que ela sentava a sua frente quem chorava era ele, por sentir que aquilo que ela não queria falar estava a matando por dentro. Ele tirou licença e foi viajar. Ela nunca falara a respeito com seus pais e mais ninguém. A escola era sinônimo de inferno.
Os fatores do seu meio sociocultural eram pobres de conteúdo, ela ainda não havia construído algo que significasse tanto para ela.
Um dia, Verônica foi para a janela. Saiu do seu mundo abstrato e foi ver o mundo lá fora.  estava começando a enjoar daquela fase quientante. Uma música soava e talvez viesse da casa da vizinhança. Era um som tranquilo e isso a fez arregalar os olhos. Ela viu pássaros azuis bem pequenos voarem em grupos e cantar; o sol ardia as plantas verdes e as deslumbrava ao olhar humano; o cheiro de natureza adentrou seu campo olfativo, suave, aceitável. Nesse momento, Verônica fechou os olhos e quis sentir o mundo que tanto bloqueou. A vida passava por ela e ela não queria mais ver.
Sua percepção ganhou vitalidade. Começou a querer assimilar a realidade, aos poucos saindo da casca grossa que ela mesma havia criado. Verônica sorriu, pela primeira vez em anos. Foi a cena mais bonita que a natureza poderia presenciar naquela tarde outonal.
- Tudo isso é tão lindo. – Proferiu as palavras com cuidado.
Alguém a ouviu e se aproximou, e também abraçou Verônica. Ela sabia que uma hora isso ia acontecer, era somente necessário que dessem espaço a ela. Esse mundo humano a sufoca de vez em quando. Ficar calada e não se expressar era uma forma de não interagir para não se machucar.
Então, Verônica se deixou sentir. Abriu as portas fechadas e seus egos voltaram a se recolher. Mesmo que o equilíbrio frente aos outros continuasse, o equilíbrio interior estava voltando a funcionar, tudo porque Verônica sentiu necessidade de mostrar um pouco de normalidade para que as pessoas parece de a olhar diferente e a ver com preconceito. Havia outros métodos de as pessoas a conhecerem, desde que ela deixasse.
E foi então que a dual Verônica se tornou uno, ao olhar alheio, mas que em seu mundo continuou as suas manifestações de silêncios não contaminantes a outrem. Visto que ser diferente é assustador para ouvidos e olhos que não sabem sair do robotismo, que é apenas um conforto e um alicerce contra o desconhecido, ou seja, contra ele mesmo. 
Verônica não tinha medo de ser diferente, apenas sabia que os outros não estavam preparados para aceitar tudo isso.

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