Minha
família morava em uma cabana construída de pedra e cal e com telhado de palha.
Meus pais trabalhavam no engenho de farinha de mandioca com os outros da
comunidade. Não havia energia elétrica. Vivíamos do que plantávamos ás vezes os
homens da família pescavam era isso. Éramos descentendes de portugueses.
Nossa
cultura baseava-se na que os colonizadores portugueses trouxeram. Com eles,
vieram histórias, muitas histórias. Eu nunca acreditei de verdade. Existia
então, o que chamamos de bruxaria. As bruxas eram mulheres que nasciam como 7ª
filha. Ouvia muitas histórias dos meus avós sobre a nossa ilha cujas histórias
aconteceram com eles e seus vizinhos da comunidade.
Um
dia eu estava sentada fora de casa em cima de uma pedra. Minha avó estava
dentro de casa com minha mãe, as duas faziam renda de bilro e conversavam. Foi
então que peguei um pedaço da conversa.
-
Sete filhas e a última se torna bruxa; Se a mais velha não batizar a mais nova
ela se transforma e não tem conhecimento do que é capaz de fazer... – Eu estava incrédula, então escutei ela continuar.
– São causadoras de olho-gordo, acarretam enfermidades às pessoas;
transforma-se em mariposas e entram pelo buraco da fechadura; chupam sangue de
crianças e adultos fazendo-os adormecerem.
-
Sim, mas Anastácia é uma menina doce e essa história aí eu acho que só acontece
com as mulheres más. – Minha mãe falou com certeza e sem interesse pela
história que vovó contava.
-
Mas preste atenção minha filha, se minha neta demonstrar algum sintoma você
terá que levar ela pra dona Cláudia. Ela saberá o que fazer para ajudar
Anastácia.
Minha
mãe ficou muda. Ela não gostava do assunto. Estavam falando de mim. Sai dali
furiosa com essa conversa. Como assim eu uma bruxa? Bem que me sentia estranha
às vezes. Então, resolvi procurar meu amigo e lhe contar o que eu havia
escutado. Era um absurdo, estava louca para saber a opinião dele.
Pedro
ajudava seu pai a descascar mandioca. Estava ele sentado no chão daquela grande
barraca a rir feito criança de algo que seu pai contava. Eu entrei e ele me
olhou. Ele cheio de palha no cabelo, era um garoto. Tínhamos a mesma idade.
-
Do que está rindo Pedro? – Perguntei curiosa.
-
Meu pai está me contando uma piada de bruxa.
Meu
coração acelerou. O que será que ele achava das bruxas? Senti vontade de sair
correndo. Mas mantive a pose, meio que na porta da barraca quase saindo.
-
Entra Ana, porque está estranha desse jeito? – Perguntou Pedro.
-
Queria falar com você. – Eu disse enrugando a testa e fazendo beicinho.
O
pai dele nos olhos e emitiu um manifesto de “Pode ir que eu dou conta do
trabalho” Então Pedro se levantou e veio atrás de mim. Fomos para as montanhas.
Como não havia estrada e nem muitas casas o clima era fantasmagórico. Ouvia-se
o som do vento uivando e as árvores se batendo. Subimos até o topo da montanha
e sentamos. Lá, dava para ver o mar imenso e negro.
-
Você acredita em bruxas? – Perguntei a Pedro.
-
Não. Meus pais disseram que já viram algumas, mas eu nunca vi. Então não
acredito. Isso é lenda. História dos mais velhos. – Ele disse brincando com uma
borboleta azul.
-
Mas se realmente elas existissem, onde será que estariam? A ilha é muito grande
segundo meu pai. Tem muito mais do que a gente pode ver.
-
Elas só fazem as malvadezas a noite. Durante o dia são mulheres normais que
aparentam até ser bem bonitas.
-
Mas e quando chega á noite, o que elas fazem? – Perguntei curiosa.
-
Meu pai disse que elas atacam cavalos e dão nó no rabo dele. Judiam com os
pescadores dentro do mar, e chupam o sangue das crianças à noite. Depois vão
comemorar nos morros ou praias desertas aonde ninguém as vê e dançam entre elas
perto de uma fogueira.
-
Nossa! Eu nunca faria isso. – Eu acabei confessando.
-
O que você disse? – Ele falou assustado.
-
Nada Pedro. Nada. Olha só, vamos sair daqui que já está anoitecendo.
Eu
acabei falando demais. Eu fui para minha casa e ele foi para a dele. Minha mãe
estava na cozinha e minhas seis irmãs tagarelando entre elas sobre os moços da
cidade.
-
Mas o Sebastião é mais bonito. – Dizia minha irmã mais velha.
-
Eu não acho Sabrina, gosto mais do Xavier. Ele é tão meigo! – Disse Clara.
Entrei
de fininho e me misturei á elas. Tentando passar despercebida, mas não deu.
-
E você Anastácia? – Perguntou Sabrina.
-
Ela gosta do Pedro. Só anda com ele. – Disse Clara.
Todas
elas riram.
Eu
fui lá fora. Era noite de lua cheia e estava mais claro. Minhas irmãs
continuaram a conversar e minha mãe só prestava atenção. Meu pai havia saído
para pescar e só voltava de madrugada. Distraída olhando para o céu escutei
alguém chegar. Levei um baita susto. Era uma mulher que eu não conhecia.
-
Olá tudo bem – Ela dizia docemente. – Sua mãe está em casa?
-
Sim, eu posso ir chamar. – Ela me interrompeu.
-
Não! Depois eu falo com ela. Você gostaria de me ajudar? Já que está aqui fora,
tenho algumas coisas para trazer, está ali no meu cavalo.
-
Ah! Claro que ajudo.
-
Então vamos mocinha. Sua mãe de certo está precisando muito.
Não
perguntei o que era. Fui junto com ela. Estava sentindo algo pulsar dentro de
mim. Ela pegou na minha mãe e me conduziu até o cavalo. Ele estava com o rabo
amarrado. Assustei-me lembrando da história que Pedro me contou recente. Antes
que eu pudesse dizer alguma coisa vi tudo ficar preto e apaguei.
Quando
abri os olhos eu estava na praia. Vi uma fogueira e várias mulheres juntas.
Fiquei mais aterrorizada ainda quando todas elas estavam se direcionando a mim.
Todas eram magras e altas. Muito bonitas. Eu diria que pareciam modelos
passarelas de tão altas.
-
Olá garotinha. – Disse uma mulher morena de cabelos muito compridos e lisos. –
Esta preparada? Faremos a magia da conexão.
-
O que é isso? – Eu falava já com lágrimas nos olhos.
O
que elas fariam comigo? Eu estava morrendo de medo. Será que sabiam que eu era
a 7ª filha? O medo aumentou. Elas estavam agora todas atentas a mim. Não havia
mais ninguém naquela praia deserta e eu nem sabia onde eu estava porque a ilha
era gigante.
-
Como você é a sétima filha e hoje com essa lua cheia descobriremos se você é
uma bruxa ou não. – Eu estava gritando por dentro.
Elas
começaram a falar todas ao mesmo tempo. Eu estava perto da fogueira e elas
andavam em roda. Todas segurando as mãos umas das outras. Começou a trovejar e
eu me tremia.
-
Você precisa de conexão com os elementos, os seres, com todo o universo que
está a sua volta. Conexão com você mesma. Então, você tem que descobrir no que realmente
acredita.
Então
a morena de cabelos cumpridos começou a falar:
-
A bruxa pode ser curadora. – Embora tenha fama de sugar o sangue das crianças
por estórias antigas - Ela faz conexão com os elementos, com os seres, tenta
encontrar a cura fazendo um resgate da alma. Pode curar o físico, o mental, o
espiritual, e até o emocional. – Ela
parou e a outra continuou.
-
O caldeirão; as ervas; a varinha, o altar, o oráculo... Tudo são elementos para
canalizar energia de magia, se chama a arte da cura. O planeta, o sol, as
estrelas, eles formam um conjunto de dados para identificação do ser de acordo
com a sua posição e a hora do nascimento de cada um. A lua é a representação da
deusa regendo nossas emoções.
Eu
fiquei quieta vendo tudo aquilo se passar a minha frente. Será que eu era uma
bruxa? Eu não queria ser uma bruxa má, pelo menos. Queria ajudar as pessoas e
não chupar sangue de criança na reviria da noite.
-
Sim! Ela é uma bruxa! – Disse a morena. – Eu senti a vibração e a conexão dela.
Está fraca, precisa evoluir, mas isso só depende da vontade dela.
-
O que isso significa? Eu não quero ser bruxa, não quero fazer o que vocês fazem
por aqui... – Eu já estava falando alto.
-
Mocinha. Você não pode esconder o dom que lhe foi dado, porém pode usar da
forma que achar melhor.
-
Bem que ela poderia entrar para nosso grupo. Quanto a sua juventude pouparia
nossos esforços. – Disse a loira de olhos azuis com uma voz intimidadora.
-
Não! Você sabe que não é assim que funciona. Ela que decide. E como sei que é
uma menina pura não vai escolher fazer nada a não ser o bem.
Elas
cochichavam entre elas. Momentos depois, eu me vi ali olhando para o mar. Como
faria para ajudar as pessoas se eu nem sabia usar o dom que eu tinha. Curar as
pessoas? Mas isso não era tarefa para os benzedores e curandeiros? Eu estava
confusa. Uma delas veio em minha direção e do nada, novamente eu me senti mais
leve e sonolenta. Escutei algo como “A magia está em você, logo saberá como
usar” e em seguida apaguei.
Acordei
em minha cama. Todos estavam dormindo, que hora era? Eu nem sabia. E como fui
parar ali? Como me trouxeram? Aquelas mulheres são loucas. Apareceram do nada e
me testaram para saber se eu era uma bruxa. O que de fato eu sou. Ah! O que
farei agora? Minha mãe não vai gostar de saber. O dia já estava amanhecendo e
eu saio de fininho em busca de Pedro. Queria contar tudo á ele. Pedro acordava bem
cedo com seu pai.
-
Ei, Pedro. – Eu disse quase sussurrando. – Vem cá.
-
O que você faz tão cedo de pé? – Ele pergunta bocejando. – To com uma dor
terrível no peito, uma angustia.
-
Porque, o que houve? – perguntei.
-
Porque meu pai brigou com minha mãe e fiquei com dó dela. E agora me sinto mal.
Queria ter ficado em cada com ela.
Essa
era uma oportunidade de mostrar á ele o que eu era capaz de fazer e testar
também, já que eu ainda não havia testado o meu dom.
-
Pedro. Chega mais perto, me deixa curar essa dor de você.
Ele
arregalou os olhos mais veio sem se queixar.
-
Feche os olhos e imagine uma paz e o sorriso da sua mãe agora.
Enquanto
ele pensava eu rezava e pedia ajuda as forças da natureza e ajuda espiritual.
Senti uma vibração surgir de dentro de mim e uma felicidade e satisfação sem
explicação. Uma lágrima desceu do meu rosto quando vi Pedro sorrindo e
despreocupado.
-
O que você fez? – Ele disse incrédulo.
Eu
sorri. Ele entendeu o que eu fiz.
-
Então você é uma bruxa de verdade e boazinha. – Ele sorriu.
-
Sim. Digamos que uma bruxa curadora. E, isso fica só entre nós.
Dei
uma piscadela.