quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Tempos antigos: Ilha da magia


Naquele dia, no final da tarde, no caminho velho eu via o céu estrelado e queria refletir. Queria eu me aventurar naquela imensidão cinzenta e entender o motivo da minha tristeza. Sentia-me taciturna e desorientada entre o caminho do meu coração e a mente. Eu sentia medo daquilo que estava se manifestando em mim. O que era? Eu não sabia, e temia saber. Ouvi falar que era algo com magia.
Minha família morava em uma cabana construída de pedra e cal e com telhado de palha. Meus pais trabalhavam no engenho de farinha de mandioca com os outros da comunidade. Não havia energia elétrica. Vivíamos do que plantávamos ás vezes os homens da família pescavam era isso. Éramos descentendes de portugueses.
Nossa cultura baseava-se na que os colonizadores portugueses trouxeram. Com eles, vieram histórias, muitas histórias. Eu nunca acreditei de verdade. Existia então, o que chamamos de bruxaria. As bruxas eram mulheres que nasciam como 7ª filha. Ouvia muitas histórias dos meus avós sobre a nossa ilha cujas histórias aconteceram com eles e seus vizinhos da comunidade.
Um dia eu estava sentada fora de casa em cima de uma pedra. Minha avó estava dentro de casa com minha mãe, as duas faziam renda de bilro e conversavam. Foi então que peguei um pedaço da conversa.
- Sete filhas e a última se torna bruxa; Se a mais velha não batizar a mais nova ela se transforma e não tem conhecimento do que é capaz de fazer...  – Eu estava incrédula, então escutei ela continuar. – São causadoras de olho-gordo, acarretam enfermidades às pessoas; transforma-se em mariposas e entram pelo buraco da fechadura; chupam sangue de crianças e adultos fazendo-os adormecerem.
- Sim, mas Anastácia é uma menina doce e essa história aí eu acho que só acontece com as mulheres más. – Minha mãe falou com certeza e sem interesse pela história que vovó contava.
- Mas preste atenção minha filha, se minha neta demonstrar algum sintoma você terá que levar ela pra dona Cláudia. Ela saberá o que fazer para ajudar Anastácia.
Minha mãe ficou muda. Ela não gostava do assunto. Estavam falando de mim. Sai dali furiosa com essa conversa. Como assim eu uma bruxa? Bem que me sentia estranha às vezes. Então, resolvi procurar meu amigo e lhe contar o que eu havia escutado. Era um absurdo, estava louca para saber a opinião dele.
Pedro ajudava seu pai a descascar mandioca. Estava ele sentado no chão daquela grande barraca a rir feito criança de algo que seu pai contava. Eu entrei e ele me olhou. Ele cheio de palha no cabelo, era um garoto. Tínhamos a mesma idade.
- Do que está rindo Pedro? – Perguntei curiosa.
- Meu pai está me contando uma piada de bruxa.
Meu coração acelerou. O que será que ele achava das bruxas? Senti vontade de sair correndo. Mas mantive a pose, meio que na porta da barraca quase saindo.
- Entra Ana, porque está estranha desse jeito? – Perguntou Pedro.
- Queria falar com você. – Eu disse enrugando a testa e fazendo beicinho.
O pai dele nos olhos e emitiu um manifesto de “Pode ir que eu dou conta do trabalho” Então Pedro se levantou e veio atrás de mim. Fomos para as montanhas. Como não havia estrada e nem muitas casas o clima era fantasmagórico. Ouvia-se o som do vento uivando e as árvores se batendo. Subimos até o topo da montanha e sentamos. Lá, dava para ver o mar imenso e negro.
- Você acredita em bruxas? – Perguntei a Pedro.
- Não. Meus pais disseram que já viram algumas, mas eu nunca vi. Então não acredito. Isso é lenda. História dos mais velhos. – Ele disse brincando com uma borboleta azul.
- Mas se realmente elas existissem, onde será que estariam? A ilha é muito grande segundo meu pai. Tem muito mais do que a gente pode ver.
- Elas só fazem as malvadezas a noite. Durante o dia são mulheres normais que aparentam até ser bem bonitas.
- Mas e quando chega á noite, o que elas fazem? – Perguntei curiosa.
- Meu pai disse que elas atacam cavalos e dão nó no rabo dele. Judiam com os pescadores dentro do mar, e chupam o sangue das crianças à noite. Depois vão comemorar nos morros ou praias desertas aonde ninguém as vê e dançam entre elas perto de uma fogueira.  
- Nossa! Eu nunca faria isso. – Eu acabei confessando.
- O que você disse? – Ele falou assustado.
- Nada Pedro. Nada. Olha só, vamos sair daqui que já está anoitecendo.
Eu acabei falando demais. Eu fui para minha casa e ele foi para a dele. Minha mãe estava na cozinha e minhas seis irmãs tagarelando entre elas sobre os moços da cidade.
- Mas o Sebastião é mais bonito. – Dizia minha irmã mais velha.
- Eu não acho Sabrina, gosto mais do Xavier. Ele é tão meigo! – Disse Clara.
Entrei de fininho e me misturei á elas. Tentando passar despercebida, mas não deu.
- E você Anastácia? – Perguntou Sabrina.
- Ela gosta do Pedro. Só anda com ele. – Disse Clara.
Todas elas riram.
Eu fui lá fora. Era noite de lua cheia e estava mais claro. Minhas irmãs continuaram a conversar e minha mãe só prestava atenção. Meu pai havia saído para pescar e só voltava de madrugada. Distraída olhando para o céu escutei alguém chegar. Levei um baita susto. Era uma mulher que eu não conhecia.
- Olá tudo bem – Ela dizia docemente. – Sua mãe está em casa?
- Sim, eu posso ir chamar. – Ela me interrompeu.
- Não! Depois eu falo com ela. Você gostaria de me ajudar? Já que está aqui fora, tenho algumas coisas para trazer, está ali no meu cavalo.
- Ah! Claro que ajudo.
- Então vamos mocinha. Sua mãe de certo está precisando muito.
Não perguntei o que era. Fui junto com ela. Estava sentindo algo pulsar dentro de mim. Ela pegou na minha mãe e me conduziu até o cavalo. Ele estava com o rabo amarrado. Assustei-me lembrando da história que Pedro me contou recente. Antes que eu pudesse dizer alguma coisa vi tudo ficar preto e apaguei.
Quando abri os olhos eu estava na praia. Vi uma fogueira e várias mulheres juntas. Fiquei mais aterrorizada ainda quando todas elas estavam se direcionando a mim. Todas eram magras e altas. Muito bonitas. Eu diria que pareciam modelos passarelas de tão altas.
- Olá garotinha. – Disse uma mulher morena de cabelos muito compridos e lisos. – Esta preparada? Faremos a magia da conexão.
- O que é isso? – Eu falava já com lágrimas nos olhos.
O que elas fariam comigo? Eu estava morrendo de medo. Será que sabiam que eu era a 7ª filha? O medo aumentou. Elas estavam agora todas atentas a mim. Não havia mais ninguém naquela praia deserta e eu nem sabia onde eu estava porque a ilha era gigante.
- Como você é a sétima filha e hoje com essa lua cheia descobriremos se você é uma bruxa ou não. – Eu estava gritando por dentro.
Elas começaram a falar todas ao mesmo tempo. Eu estava perto da fogueira e elas andavam em roda. Todas segurando as mãos umas das outras. Começou a trovejar e eu me tremia.
- Você precisa de conexão com os elementos, os seres, com todo o universo que está a sua volta. Conexão com você mesma. Então, você tem que descobrir no que realmente acredita.
Então a morena de cabelos cumpridos começou a falar:
- A bruxa pode ser curadora. – Embora tenha fama de sugar o sangue das crianças por estórias antigas - Ela faz conexão com os elementos, com os seres, tenta encontrar a cura fazendo um resgate da alma. Pode curar o físico, o mental, o espiritual, e até o emocional.  – Ela parou e a outra continuou.
- O caldeirão; as ervas; a varinha, o altar, o oráculo... Tudo são elementos para canalizar energia de magia, se chama a arte da cura. O planeta, o sol, as estrelas, eles formam um conjunto de dados para identificação do ser de acordo com a sua posição e a hora do nascimento de cada um. A lua é a representação da deusa regendo nossas emoções.
Eu fiquei quieta vendo tudo aquilo se passar a minha frente. Será que eu era uma bruxa? Eu não queria ser uma bruxa má, pelo menos. Queria ajudar as pessoas e não chupar sangue de criança na reviria da noite.
- Sim! Ela é uma bruxa! – Disse a morena. – Eu senti a vibração e a conexão dela. Está fraca, precisa evoluir, mas isso só depende da vontade dela.
- O que isso significa? Eu não quero ser bruxa, não quero fazer o que vocês fazem por aqui... – Eu já estava falando alto.
- Mocinha. Você não pode esconder o dom que lhe foi dado, porém pode usar da forma que achar melhor.
- Bem que ela poderia entrar para nosso grupo. Quanto a sua juventude pouparia nossos esforços. – Disse a loira de olhos azuis com uma voz intimidadora.
- Não! Você sabe que não é assim que funciona. Ela que decide. E como sei que é uma menina pura não vai escolher fazer nada a não ser o bem.
Elas cochichavam entre elas. Momentos depois, eu me vi ali olhando para o mar. Como faria para ajudar as pessoas se eu nem sabia usar o dom que eu tinha. Curar as pessoas? Mas isso não era tarefa para os benzedores e curandeiros? Eu estava confusa. Uma delas veio em minha direção e do nada, novamente eu me senti mais leve e sonolenta. Escutei algo como “A magia está em você, logo saberá como usar” e em seguida apaguei.
Acordei em minha cama. Todos estavam dormindo, que hora era? Eu nem sabia. E como fui parar ali? Como me trouxeram? Aquelas mulheres são loucas. Apareceram do nada e me testaram para saber se eu era uma bruxa. O que de fato eu sou. Ah! O que farei agora? Minha mãe não vai gostar de saber. O dia já estava amanhecendo e eu saio de fininho em busca de Pedro. Queria contar tudo á ele. Pedro acordava bem cedo com seu pai.
- Ei, Pedro. – Eu disse quase sussurrando. – Vem cá.
- O que você faz tão cedo de pé? – Ele pergunta bocejando. – To com uma dor terrível no peito, uma angustia.
- Porque, o que houve? – perguntei.
- Porque meu pai brigou com minha mãe e fiquei com dó dela. E agora me sinto mal. Queria ter ficado em cada com ela.
Essa era uma oportunidade de mostrar á ele o que eu era capaz de fazer e testar também, já que eu ainda não havia testado o meu dom.
- Pedro. Chega mais perto, me deixa curar essa dor de você.
Ele arregalou os olhos mais veio sem se queixar.
- Feche os olhos e imagine uma paz e o sorriso da sua mãe agora.
Enquanto ele pensava eu rezava e pedia ajuda as forças da natureza e ajuda espiritual. Senti uma vibração surgir de dentro de mim e uma felicidade e satisfação sem explicação. Uma lágrima desceu do meu rosto quando vi Pedro sorrindo e despreocupado.
- O que você fez? – Ele disse incrédulo.
Eu sorri. Ele entendeu o que eu fiz.
- Então você é uma bruxa de verdade e boazinha. – Ele sorriu.
- Sim. Digamos que uma bruxa curadora. E, isso fica só entre nós.
Dei uma piscadela.






quinta-feira, 13 de junho de 2013

Um fio de vida


O sorriso da sua face nunca fora afadigado. Jamais deixara alguém ficar triste ao seu lado. Sua luz que brotava de seu coração era contagiante, não havia mais ninguém que não notasse isso. Gabriele encontrava na sua fé e nas suas orações a luz para continuar enxergando o mundo. Respirar, às vezes, era uma tarefa difícil. Ela tentava de todas as formas crer que Deus tinha um plano maior para ela, e que nada era em vão na sua vida.
“Querido Deus, hoje acordei mais disposta. Consigo respirar o ar puro que o vento me trás, mesmo que enregelante. Em meu corpo ainda percorre a dor de todo o meu tratamento sofrido. Mas, estou feliz porque hoje Robert vem me visitar. Ele é meu melhor amigo.”
A quimioterapia a deixou fraca da última vez que fez. Usava um lenço para disfarçar a falta de cabelos. Cabelos. Era algo que ela não via fazia um tempo. Ao se olhar no espelho deixou que uma lágrima caísse de seus olhos quando viu seu rosto.
Câncer.
Essa palavra era uma da qual Gabriele não gostava de falar e nem de escutar. Dizia sempre que quem ficava doente era o corpo porque a sua alma, seu espírito eram limpos e muito saudáveis. Ela acreditava nela mesma.
Um barulho veio da janela e Robert aparece com um sorriso sapeca. Ele costumava pular a janela. Era o segredo deles. Isso, desde que Gabi ficara doente. Costumavam ir à escola juntos, mas depois descobrira o câncer havia parado de frequentar as aulas.
- Oi Rob. – Disse sorridente secando a gota de lágrima.
- Oi linda! Trouxe um presente para você. – Disse o garoto.
- Um presente? Para mim? – Falou entusiasmada.
- Sim. – Ele sorriu. – Pegue. Espero que goste.
- Um lenço. – Ela disse olhando para ele. – Que lindo Rob, essa presilha nele é linda. Adorei.
Robert era um amigo que nunca a deixava. Aparecia sempre quando ela precisava.
- No esta pensando Gabi? – Perguntou ele preocupado.
- Em tudo.
- Isso é bastante coisa.
Rob sentou ao lado dela e abraçou. Ela sentia-se tão segura ao lado dele que não precisava de nada mais. Sua alma enchia-se de alegria. Seu amigo era muito especial.
- Você acha que vou morrer logo Rob?
- Não. Você ainda me deve muita coisa, não vou deixá-la partir sem me pagar tudo. – Ele a abraçou ainda mais forte, sabia que era grave e sentiria muito quando chegasse a hora, mas procurava amenizar a dor com suas brincadeiras. – Você só está passando por isso porque é uma guerreira, lembre-se que Deus tem um propósito para você. Não desista. Há muitas pessoas que sentem orgulho de você e te amam, assim como eu.
- Você me ama?
- Amo muito.
Rob lhe deu um beijo no rosto carinhosamente. No rumo da conversa aos poucos ela foi ficando sonolenta e logo adormeceu. Robert, depois de um tempo começou a chorar baixinho. Ele amava, mas não como amiga, e sabia que sofreria demais se perdesse Gabriele. Ela estava sendo tão forte que às vezes esquecia que estava doente ao lado de Robert.
Todas as noites Robert a fazia dormir e quando tinha certeza que ela estava dormindo ele desaparecia de seu quarto. Sempre acertava ir quando não tinha mais ninguém à vista.
Clara, mãe de Gabriele era muito ocupada e quem cuidava dela durante o dia era uma enfermeira particular que o pai contratou. Ambos eram ocupados. Gabriele não tinha irmãos, era filha única.
Naquela noite, sua mãe, Clara foi até seu quarto após Robert partir. Clara olhava para sua filha e chorava. Sentia-se culpada por não estar tão perto dela no momento que ela mais precisava de sua companhia. Mas, decidira continuar seu trabalho porque se ficasse em casa não aguentaria ver sua filha sentindo dor e tomando aqueles remédios horríveis. Gabriele era forte, dizia a sua mãe para não se preocupar.
Clara passou a mão pela cabeça da filha onde não havia mais cabelo. Gabriele dormia tranquilamente. Rogério, pai de Gabriele sentia medo do dia em que descobrisse que sua filha não estaria mais em casa. Ele bloqueava qualquer tipo de lágrima, não se deixava transparecer na frente de outros, mas quando estava sozinho, as deixava caír. Todos os dias, na hora do almoço ele ligava para Dora, a enfermeira, para saber como estava Gabriele. Um dia desses Gabriele questionou.
- Porque meu pai liga e não me chama para falar com ele? Faz tempo que não o vejo Dora.
- Ele é muito ocupado minha querida. – Dizia Dora, com dor no peito.
- Da próxima vez me avisa, por favor, eu quero falar com ele.
Dora sabia que teria que inventar uma boa desculpa para a menina. Rogério se ouvisse a voz da filha cairia em prantos. Tornou-se mais ocupado depois que soube do câncer da filha, ele não conseguia lidar com a morte. Mas uma hora ele teria que ir falar com ela.
O dia amanheceu e Gabriele levantou aquela manhã mais animada. Pensou em Robert e resolveu ligar para ele.
- Bom dia Rob.
- Bom dia Gabi, que surpresa você me ligar.
- Rob, eu hoje estou me sentindo melhor. Quero respirar ar puro. Me leva em algum lugar, por favor, essa casa me confina. Eu to doente, mas não morri ainda.
Robert não gostou do que ouvir. Um frio na barriga passou de raspão e ele entristeceu com as duas últimas palavras. Ele procurava fazer tudo o que ela queria.
- Depois do almoço, pode ser?
- Sim. O que você quer fazer? – Perguntou animado.
- Qualquer coisa.
- Esta bem então senhorita. Não esquece o lenço que tá frio na rua.
- Pode deixar senhor. – Os dois riram
Depois do almoço Gabriele se arrumou. Colocou um vestido longo e um casaco por cima. Olhou-se no espelho e finalizou com o lenço que Rob lhe dera. Lembrava então, quando tinha cabelo. Seus cabelos eram lisos e loiros. Robert adorava. Ao pensar que não os tinha mais se entristeceu. Um barulho na porta do quarto.
- Entre!
- Oi querida, você está bem hoje? – Perguntou Dora.
- Estou sim Dora. Vou dar um passeio com Robert.
- Quer que eu vá junto? – Perguntou Dora preocupada.
- Não Dora. Robert cuida muito bem de mim. Qualquer coisa eu ligo para você.
- Mas se seu pai ficar sabendo que saiu sozinha...
- Dora, por favor. Eu entendo você, mas pense uma coisa, eu quero aproveitar o tempo que me resta. O meu tempo agora é precioso e quero passar com as pessoas que eu amo. Já que meus pais nunca estão em casa, me resta Robert.
- Tudo bem querida. Mas por favor, qualquer coisa me liga.
- Pode deixar.
Uma buzinada e era Robert esperando lá embaixo.
- Que lindo seu lenço. – Comentou Dora
- Gostou? Robert que me deu. – Ela sorriu. – Já vou. – E beijou-lhe o rosto.
Gabriele desceu as escadas. Ela se sentia muito bem naquele dia. Não havia vestígios de enjoos ou dores. Estava ótima. Achava até que poderia correr. Mas não abusaria.
- Oi Rob.
- Está linda. – Ele olhou para seu vestido. – Ficou bem em você.
Ele a abraçou e a rodou em seus braços como se ela pesasse como uma folha. Sorridente e feliz em ver seu amigo ela se sentiu a vontade.
- Entre. – Robert abriu a porta do seu carro para Gabi entrar.
- Obrigada.
- Estava pesando. Como nos velhos tempos. Vou levar você para ir ao cinema. O que acha? Tem ótimos filmes.
- Sim, gostaria muito. Faz tempo que não vou ao cinema.
Robert dirigiu até lá. Gabriele ficou com vergonha de sair do carro. Ao parar no estacionamento ele foi saindo do carro.
- Rob! – Ela disse com os olhos baixos. – Não sei se...
- Gabi, eu estou com você, por favor, não tenha medo.
Ela se sentia feia. Robert era um rapaz lindo, chamava atenção das meninas por seu sorriso encantador e seus olhos grandes e verdes.
- Gabi, você é linda! Uma bonequinha.  Não tem do que se envergonhar. E sim do que se orgulhar porque ninguém que a vê sabe o que você passou na vida então... – Ele dizia, olhando bem no fundo dos olhos dela. – Eu amo você. – Ele finalizou com uma voz doce olhando para ela.
- Eu sei você sempre fala isso.
- Mas amo você mesmo, não só como amiga...
- O que? – Ela disse surpresa. – Como assim? – A voz saiu quase num sussurro. Ela mal acreditava em suas palavras proferidas naquele momento.
- Eu sou apaixonado por você desde que te conheci na escola. – Ele disse. – Eu... Eu sempre te admirei por seu caráter e... Não conseguia mais me desgrudar de você... Nem quando você soube que estava com câncer. Eu nunca conheci alguém tão especial assim, que me faz sentir tão vivo sabe, você deu sentido a minha vida Gabi. Perdoa-me por falar isso só agora. E quando soube que estava doente eu chorei feito criança e morri de medo de perder você.
Gabriele agora chorava sem parar. Robert a abraçou e repetia várias vezes que jamais ia deixá-la. Ficaria com ela até o fim dos seus dias.
- Tem certeza disso? Você sabe que logo estarei com Deus. Você Sabe que... – ela secava as lágrimas. – Que meu câncer já me tomou por inteira.
Agora foi a vez de Robert chorar.
- Mas... – Ele falava entre lágrimas. – Enquanto você estiver aqui eu estarei sempre ao seu lado. Eu juro.
Robert olhou seriamente para Gabi, e quis fazer o que tinha vontade desde que a conheceu. Beijar seus lábios ternos. E foi isso que aconteceu. Gabi retribuiu da mesma forma apaixonada e delicada.
- Rob. – Disse ela deixando uma lágrima no rosto. – Eu também amo você do mesmo jeito. Só não queria que isso acontecesse porque vou ter que deixar você sozinho. – Finalizou ela chorosa.
- Por favor. – Ele pegou seu rosto entre as mãos. – Não fale mais isso, você vai viver o suficiente para me pagar tudo o que me deve.
Eles riram. Ele ainda conseguia ser engraçado.
- O que eu lhe devo então?
- Começando pelo cinema. – Disse ele, secando as lágrimas.
Ela sorriu e logo conseguiu sair do carro. Robert pegou em suas mãos e que agora andavam de mãos dadas. As pessoas olhavam. Casal jovem. Olhavam para Gabi. Ela agora nem se importava mais.
Mais tarde, ela sentou-se em sua cama e pegou um álbum de fotos. Começou a passar as fotos. O sorriso lhe veio ao rosto quando viu uma foto quando era pequena, em que seus pais havia a levado ao parque. Esse dia foi tão feliz, como ela poderia esquecer? Os dois amores eternos de sua vida.
Como tudo foi sendo transformado tão depressa? Não há mais nada disso.
De seus olhos corriam lágrimas de saudade. Clara e Rogério eram inseparáveis naquela época. Todo fim de semana eles passeavam com Gabriele. Ninguém ficava em casa. Dizia Rogério que já bastava ficar em casa durante a semana por causa do trabalho e da rotina.
Ao pensar dessa forma Gabi entristecia-se mais. Porque seu pai mudara tanto? Sabia que sua mãe vinha nas noites beijá-la e orar junto dela. Algumas vezes ela estava acordada, mas não queria interromper o momento, tinha medo que sua mãe inventasse uma desculpa e saísse do quarto. Era assim. Seus pais agora corriam dela, como se ela tivesse uma doença contagiosa, era assim que Gabriele pensava.
Alguém bate na porta.
- Entre Dora! – Disse Gabriele.
- Sou eu filha. – Disse Clara.
Gabriele não pode contar a sua felicidade. Já fazia quase um mês que não falava direito com sua mãe, somente por telefone. Seu trabalho a consumia. Ela era enfermeira, então, lidar com doentes que não era a filha dela era mais fácil. Foi Clara que cuidara de Gabriele quando ia para o hospital algumas vezes por causa das quimioterapias que ela fazia.
- Mamãe! – Disse ela contente.
- O que está fazendo Gabi? – Ela disse perguntou.
- Vendo algumas fotos antigas. – Clara debruçou-se na cama de Gabi com ar de cansada. – Veja esta, quando eu tinha cinco anos. – Dizia Gabriele sorrindo.
- Lembro-me desse dia. Você tinha tomado dois sorvetes e chorou porque queria um terceiro.
- É você disse que eu ia derreter por dentro se tomasse mais um, eu acreditei, fiquei com medo.
As duas sorriram.
- Filha. Não vou mais ficar tão ausente, prometo. Perdoe-me. Sei que você sente medo, e eu estava sendo egoísta de pensar que somente eu e seu pai também estávamos com medo.
- Não se preocupe. Ninguém gosta de acompanhar a morte lenta de ninguém. E você, já vê no hospital pessoas morrerem, eu entendo mamãe, mas sinto muito a sua falta. E não queria desperdiçar meu tempo ficando sozinha e sim na companhia das pessoas que eu amo.
- Mas foi egoísmo da minha parte. Eu ainda estou com medo.
- Mãe, a minha missão está se findando, eu acredito que Deus me colocou nessa família por alguma razão. Eu não estou com tanto medo assim.
Clara derramou lágrimas e ficou abraçada a filha por um tempo.
- Só tenho medo de partir e não poder ver papai.
As duas ficaram em silêncio. Deixando as lágrimas se juntarem numa única sensação.
Clara foi tomar banho, estava cansada demais. Gabriele agradeceu por ela ter falado tudo o que sentia. Gabi decidira que não falaria de Robert, seria mais uma dor, queria evitar tanto sofrimento. Ela aceitara a morte, mas sabia que sua família e Robert demorariam em aceitar.
Gabi deitou-se. E logo adormeceu. Robert apareceu e deixou uma carta perto de Gabriele. Gabi a deixara destrancada porque era no andar de cima e Robert a abria sempre sem que ninguém escutasse ou visse. Já era craque nisso. Deu um beijo em Gabi e se foi. Com lágrimas nos olhos outra vez por ver sua amada daquele jeito e sabendo que uma hora ela ia partir.
Como aceitar a perda? Como aceitar que você nunca mais vai ver aquele rostinho lindo a sorrir e olhar para você como se fosse único na vida? Doeria eternamente. Só Deus sabia do vazio que permaneceria no coração daquele rapaz apaixonado.
Ao acordar, Gabriele sentiu seu nariz coçar. Ela logo abriu os olhos e viu a carta de Robert bem a frente de seus olhos. Com um sorriso nos lábios, ela pegou e sentou na cama. Abriu com rapidez a carta e logo já estava passando seus olhos por ela. Robert sempre fora romântico e Gabi dizia que a mulher que se casasse com ele seria uma eterna sortuda.
Dizia a carta:
“Bom dia princesa, ontem estive ao seu quarto e a bela adormecida já estava em seu sono profundo. Assim que terminar de ler esta carta me liga! Tenho uma surpresa.”
Com amor, Rob.
Gabriele pegou o telefone rapidamente e seus dedos foram precisos na discagem do número de Robert. Logo, uma voz ansiosa do outro lado já atendera ao telefone.
- Oi meu amor. – Disse Robert
- Bom dia. E o que você tem para mim hoje? Estou curiosa Rob.
- Tome seu café que em alguns minutos estou indo ai buscá-la.
Gabriele não pode se conter. Já pronta, finalizou com a touca que Robert Dara á ela e desceu para esperá-lo na porta. Em minutos, ele já estava na frente de sua casa.
- Dora! Eu vou sair. – Avisou, batendo a porta.
Gabi entrou no carro e Robert a beijou, Dora estava na janela quando viu a cena. Colocou as mãos na boca e pediu a Deus para que Robert não sofresse.
- Aonde você vai me levar?
- Eu já disse que é surpresa. – Falou Robert animado.
Robert parou o carro na frente da escola. Gabriele olhou para ele e sorriu, estava com medo do que poderia acontecer.
- Rob, o que...
- Suas amigas estão com saudades, até a professora que você tanto gosta. As pessoas perguntam por você o tempo todo e eu sempre digo que você já bem. – Ele pegou nas mãos de Gabi. – Faça isso por mim. Sei que vão recebê-la muito bem.
- jasmim vai zombar porque não tenho cabelos. Ela sempre invejou porque os delas não eram lisos e macios como os meus.
- Pode ter certeza que ela não fará isso. Não vou deixar, aliás, todos sabem que eu estou namorando com você.
Robert elevou o humor de Gabriele. Ela então sorriu e saiu do carro. Andaram de mãos dadas. Foram em direção à entrada da escola. Quando chegaram à antiga sala de aula de Gabriele ela gelou.
- Que saudade. – Ela disse.
Robert entrou na classe e chamou a professora para não causar alvoroço.
- Querida! – A professora disse. – Que saudade de você. Vejo que está muito bem mesmo... Robert disse que ia faltar aula hoje só para trazê-la aqui.
- Oi professora. – Ela disse.
Normalmente Gabriele era falante com a professora de português. Porém, se sentia triste de nunca mais poder voltar às aulas. Voltar a ser o que era antes, a não! Essa tristeza tinha que sumir de dentro dela, estava amando Robert, o que mais poderia querer? Nada.
- Gabi, você está bem? – Robert perguntou.
- Estou. Só quero voltar para casa.
Os outros alunos foram até a porta da sala e viram Gabi, jasmim só observava com tristeza. De tanto querer o mal de Gabi agora se sentia culpada.
Ao chegar em casa ela foi para o sofá e deitou-se.
- O que aconteceu com ela Robert? – Perguntou Dora.
- Só a levei para ver a professora, mas acho que ela entristeceu-se um pouco. Posso ficar um pouco com ela?
- Claro que pode! Fique para almoçar.
- Claro. Gostaria muito.
Robert sentou na frente de Gabi, onde estava deitada, deixando somente seu rosto grudado ao dela enquanto descansava os olhos. Robert sentia sua respiração normal, sabia que ela estava só descansando.
O telefone tocou. Gabi os olhos e imaginou ser seu pai. Pegou o telefone e atendeu.
- Alô, papai.
Ele ficou mudo, esperava que Dora atendesse.
- Papai, é você? Alô.
Robert segurava as mãos de Gabi, sabia do seu relacionamento difícil que tinha com o pai.
- Oi filha... – Um sopro de voz saiu
- Papai! Estou com muitas saudades! Quando volta para casa?
- Essa semana estarei chegando. – Ele disse sem jeito.
- Como você está? – Ela perguntou.
- Bem. Liguei para saber de você. Levarei um presente.
- Só quero que você venha. Só, sinto a sua falta.
- Estarei logo querida. Agora tenho uma reunião, tenho que desligar. Fique bem.
- Até logo então papai. Te amo.
Ele ficou mudo e sentiu lágrimas correrem de seus olhos.
- Também amo muito você minha filha. Estou indo para ficar, vou ficar sem viajar por um tempo. Até logo.
Desligou.
Gabi abraçou Robert.
- Ele estava chorando Rob. Senti isso. É difícil para ela ver a menina dele assim. Eu compreendo a sua dor. Meu pai disse que vai vim para casa essa semana e, vai ficar um tempo sem viajar.
Robert ainda abraçado á ela sabia o que seu pai estava pretendo fazer. Não mais correria. Rogério sabia e sentia que, se ficasse em casa sua filha partiria, porque só faltava ele se entender com ela para Gabi ir em paz. Esse medo o percorria, mas resolver enfrentar e do lado de sua esposa eles enfrentaria essa dor.
Final da semana chegou e Gabriele estava animada. Fez planos com sua mãe para jantassem fora como faziam antes. E, claro, dessa vez convidariam Robert. Naquele dia, sua mãe havia chegado mais cedo em casa.
- Mamãe, preciso lhe contar uma coisa, mas não quero que fique brava comigo e nem com Robert.
Clara ficou assustada.
- O que filha?
- Eu e Robert estamos namorando e...
- Mas que bom filha, ele é um ótimo rapaz.
- Mãe, quando eu morrer não quero que ele fique prezo a minha imagem. Quero que você diga que eu desejo que ele seja feliz que lá de cima estarei orando por ele e pela sua vida. Faça isso, por favor.
- Filha...
- Mãe, pare de me ver como se eu fosse viver mais, por favor, se eu mesma já aceitei isso não quero que finja mais.
- Não gosto de falar disso Gabi. Acha que é fácil para mim? Ou até mesmo para seu pai saber que esse câncer está matando você a cada dia? Acha que quando encontro um paciente no hospital com câncer não lembro que tenho uma filha assim? Isso dói demais Gabriele.
- Mas, respeito a sua dor, mas imagine eu. Imagina a minha dor também. – Ele respirou.
- A filha, desculpe você está se sentindo bem?
- Estou sim. Vou subir e tomar um banho, papai daqui a pouco chega.
Gabriele estava pronta para receber seu pai. Colocou um lenço ver de em sua cabeça e desceu. Sentou-se no sofá, e antes mesmo de ligar a TV viu seu pai entrar. Seu coração disparou d felicidade. Foi correndo abraça-lo.
- Papai! – Ela disse.
Gabriele prometeu para si mesma que não ia chorar. Mas derramou uma cachoeira e seu pai, a vendo daquele jeito, chorou também. Os dois choravam como crianças pelo doce não recebido.
- Filha... Tenho muito medo de perder você. Não vou mais me afastar assim. Prometo. Tirei umas férias e ficarei aqui agora.
- Pai... – Ela disse entre soluços. – Não tenha medo. Deus me chama porque sou especial. Estarei com a graça dele e protegendo vocês.
Pai e filha conversavam entregando-se a saudade que sentiam um do outro. Clara, quando desceu as escadas, viu os dois abraçados. Gabi estava sentada ao lado de seu pai. Clara também começou a expulsar as lágrimas do seu rosto. Ver aquela cena era emocionante demais. Logo, se juntou a família.
No dia seguinte, foi marcado o jantar. Robert já havia conversado com Rogério sobre Gabriele. Rogério só pediu para que ele não abandonasse a filha nesse momento e Robert jurou ficar até o fim da vida de Gabi junto dela.
O jantar foi ótimo. A família reunida. Sorrisos e abraços. Palavras de amor, de afeto, ternura e coragem.
- Estamos com você querida. – Falou o pai.
À noite, em seu travesseiro, Gabriele orou.
“Senhor me dê mais alguns dias para eu aproveitar este amor que me cerca. Obrigada por trazer meu pai novamente para minha vida. Fazer minha mãe voltar a falar comigo e abençoar Robert com meu amor. Quero que todos saibam que dei o melhor de mim e que vou em paz quando assim, o senhor me chamar.”
O dia amanheceu. Gabriele acordou se sentindo enjoada. Não. Será? Não deu tempo de ela descer as escadas. Logo rolou por elas quando desmaiou. Seu pai viu a cena. Apavorou-se. Chamou a ambulância e logo, quando Gabi estava no hospital. Seu pai chorava muito.
- Sinto muito senhor. – Disse uma enfermeira.
Rogério entristece-se. Esperou Clara, ela estava tomando café. Quando Clara adentrou a salinha que os visitantes ficavam e avistou Rogério ficou surpresa.
- Oi amor, o que aconteceu?
- Gabi. – Ele disse.
Clara se apressou para o quarto que Gabi estava. Quando viu a cena chorou. Voltou à sala que Rogério estava.
- Esse momento ia chegar cedo ou tarde. – Disse ele.
- É eu sei só que eu não queria acreditar que seria tão cedo.
- Não é melhor ligar para Robert? Acho que ele tem que saber onde ela está.
- Claro! Tenho o número dele aqui.
Robert imediatamente saiu de sua casa e foi direto para o hospital. Chegou com os olhos vermelhos de tanto chorar.
- Onde ela está Senhor Rogério? – Disse ele desesperado.
- Calma! Ela está dormindo, foi um susto.
Robert quis acreditar. Mas alguma coisa dizia que ela não aguentaria.
Gabi ficou desacordada por uma semana e assim que acordou viu em sua volta os três amores da sua vida.
- Oi gente. – Ela disse.
Robert foi beijá-la no rosto e a olhou com medo. Seu pai estava ao pé da cama. A dor era visível em todos os rostos ali presente.
Um sorriso da moça da cama e uns suspiros. Aquelas três pessoas ali, ao redor dela, energizando o amor que sentiam. Gabi então fechou os olhos e num adeus deixou últimas lágrimas grudadas em sua face. E então ela partiu com fé infinita.