Anjo |
A partir do momento em que se dão créditos
para certos acontecimentos que transparecem a sua volta, é certeiro que tudo
pode acontecer. Espera-se o temporal desanuviar-se em tempo que se forma incerto.
Vejo-me então recapitulando o que aconteceu há um tempo atrás. Era um tempo em
que eu havia conhecido alguém muito especial.
Resolvi acreditar que um dia esse alguém do
passado voltaria para uma visita. Tudo aconteceu no período em que eu estava
terminando o colegial. Naquela época tinha dezessete anos, não foi há tanto
tempo assim, mas ondas de pensamentos transpareciam esses dias na minha mente e,
vagarosamente, parecendo um sonho que ainda não havia findado.
Era uma estrelada noite de sexta-feira e, eu
estava sentada na sala da minha casa com a TV ligada quando a voz de uma mulher
despertou-me atenção na TV. O assunto que ela abordava era “anjos”. Ela dizia
claramente que os seres celestiais existiam desde muitos séculos atrás e que
eles estavam sempre entre nós. Fiquei atenta á ela.
Em momentos de palavras cheias de certeza
que saia da sua boca ela então contou algo que lhe aconteceu: “Eu estava caminhando e cheguei em uma encruzilhada
e distraída pelos uivos da noite não vi o caminhão vindo em minha direção.
Senti então alguém atrás de mim me puxando da mira do caminhão até eu perceber,
olhando para o lado, para trás e novamente para frente que não tinha ninguém. Então
vi uma luz se desmanchar no alto da minha cabeça. Eu sorri acreditando que era meu
anjo me salvando, meu coração sentia e minha mente respondia que sim, era meu
anjo da guarda”.
Então, percebi que ela estava falando do contato
com um anjo. Peguei-me ouvindo até o final e logo ela passou um site onde havia mais histórias de pessoas
que acreditavam em anjos. Ao perceber minhas pálpebras ganharem peso eu desliguei
a TV e como sempre estava sozinha em casa. Subi para meu quarto não antes de fechar
a porta e verificar várias vezes se estava trancada. Fui tomar um banho quente
por causa do frio que fazia e logo me deitei. Peguei no sono depois de muito ruminar
sobre a vida.
Na manhã de sábado eu desci como de forma
costumeira para frente do fogão á lenha que tínhamos em casa para me aquecer e
então, comecei a fazer o café. Depois de pegar uma xícara com café e um pedaço
de bolo de laranja indo na direção da porta da sala para ver como estava o
tempo lá fora, de repente, deparei-me com uma figura que estava na beira da
porta. Por uma fração de segundos eu
pensei que fosse um cachorro, mas ao abrir bem meus olhos e ter certeza de que
eu estava bem acordada me assustei tanto que quase gritei, mas pensei antes. O que é isso? Pensei. Era um garoto que
eu nunca vi antes. Estava usando uma calça jeans e uma camiseta branca. De
onde veio essa criatura? Deve estar sentindo muito frio.
É claro que um sopro de medo se esfregou em
mim. Não sei de onde veio, mas sentia que deveria ajudá-lo. Estava sujo e os
cabelos que caíam no rosto estavam emaranhados como se não vissem água há muito
tempo. Voltei para a cozinha por não crer naquilo que eu acabara de presenciar,
então, fiquei assustada e de boca aberta.
Depois de pensar bem, peguei uns pedaços de
bolo e uma garrafa de água e coloquei ao lado daquela pobre pessoa e, acrescentando
um cobertor para aquecê-lo do frio. Eu não sabia o que estava fazendo pelo fato
de nunca ter feito antes, mas sentia que tinha que fazê-lo. Eu o cobri e deixei
o bolo e a água ao seu lado. Mil perguntas me vieram à cabeça. Será que ele fugiu de casa? Pois parecia
ter mais de dezesseis anos e pelo estado em que se encontrava já devia estar na
rua há muito tempo.
Minha mãe não estava, pois viajava muito a
trabalho. Voltei para meu quarto e fiquei espiando pela janela o estranho lá
embaixo perto da porta. Porque será que
ele veio para cá? Será que é um irmão desaparecido? De repente escutei um
barulho e me assustei. Depois de mais o menos dez minutos eu escutei de novo,
quando descobri o que era ri de mim mesma, era meu estômago roncando de fome,
pois eu tinha deixado meu café da manhã lá embaixo e com o susto eu não comi.
Oh céus! O que está acontecendo? Quem é esse jovem? Ele não parece muito bem.
Porque estou aqui ao invés de estar lá ajudando ele? Em minutos resolvi descer
as escadas, já pronta para acordar ele e perguntar o que fazia na porta da
minha casa. Cheguei à porta aspirando e
expirando com medo de abrir.
Deparei-me apenas com a garrafa de água vazia
e o prato em que eu tinha colocado os bolos com farelos de bolo. Aonde ele foi? Franzi o cenho preocupada
e desentendida pela situação embaraçosa. Mas, ele não quis nem agradecer o que
fiz por ele. No pé da porta estava o cobertor dobrado. Passei o final de semana
sozinha esperando ele aparecer de novo, mas nada.
A segunda-feira chegou chuvosa e aqui no
Vale da Calina a chuva aparecia mais que o sol. Peguei meu casaco e saí. A
escola ficava perto e eu sempre ia andando. Fiquei perdida em pensamentos no
caminho com o rosto anuviado, não conseguia parar de matutar sobre o pobre
rapaz. Para onde ele havia ido? Sei que estava com fome e senti que não foi á
toa que ele veio até minha porta. Quando cheguei à escola encontrei Lucas, um
velho amigo de infância.
- Oi Lia? Tudo bem? – Ele perguntou
percebendo meu desânimo.
- Estou bem Lucas. E você? – Perguntei.
- Eu vou muito bem, mas parece que você
não. O que foi? –Procedeu.
Lucas me conhecia como ninguém. Ele era meu
melhor amigo. Compartilhávamos muitas coisas juntos, nossas mães eram amigas e
trabalhavam juntas nos eventos.
- Aconteceu algo muito estranho no sábado
de manhã. – Eu disse, e dando pausa para uma respiração. – Quando abri a porta
da sala vi um garoto deitado lá, todo encolhido e sujo.
- O que você fez? O que ele estava fazendo
lá? – Perguntou.
- Não sei Lucas. Mas, como vi que estava
sujo dei comida a ele e um cobertor. – Contei. - Ele estava dormindo e fiquei
com pena de acordar. Sei lá de onde ele veio, mas acho que estava procurando
abrigo.
- E você conseguiu falar com ele? – Disse,
erguendo as sobrancelhas.
- Não. Quando deixei a comida lá voltei a fechar
a porta. Minutos depois ele havia sumido. – Falei melosamente, tentando dar
crédito para o que eu dizia.
- Tenha cuidado. Ele pode voltar. – Ele disse, me olhando atentamente e passando
a mão na minha cabeça. - Hoje te acompanharei em casa.
- Está bem. Obrigada.
Havia um olhar protetor de Lucas. Saímos
abraçados para a aula de Português com a professora Celine. Ela já estava na
sala quando entramos. E, não gostava de atrasos. Olhava-nos de soslaio. Ao
término das aulas vi Giovanni surgiu na minha direção. Lucas quis me acompanhar
como havia informado antes, mas seu amigo havia o chamado para uma
partida de futebol que ele mesmo havia prometido e esquecido. Eu disse que tudo
bem, ligaria para ele se caso acontecesse alguma coisa. Lucas insistiu em me
levar e, quando eu disse que “tudo bem” de novo ele desistiu, e foi para o
ginásio. Lucas sumiu atrás de mim. Quando passei pelo portão totalmente distraída
eu dei de cara com um rapaz. Não o vi ali, mas fez um estrondo os encontros dos
corpos.
- Desculpa! – Eu disse, tirando os cabelos do
rosto que chegaram ali pelo susto.
- Não se preocupe. Tudo bem com você? –
Disse o estranho.
- Sim e com você? Perdoe-me eu não o vi aí.
Sou muito distraída. – Sorri com o canto da boca, já olhando para ele e admirando
seus grandes olhos azuis.
- Isso é normal. – Ele sorriu. - Na verdade
eu vim até aqui porque queria agradecer você por ajudar o próximo. Pelo seu ato
de caridade.
- Do que está falando? – Perguntei
incrédula com as palavras que ele dizia.
- Minha doce menina - ele falou melosamente
- eu vim por uma missão, mas errei o caminho e cheguei à sua casa por engano.
Você me aqueceu do frio e me alimentou, agradeço muito.
- Então você é aquele... – Coloquei a mão
na boca desacreditando nas palavras que ele proferia. Era ele! O garoto que
estava na porta da minha casa. Como?
- Sou eu sim. Pensei que talvez pudesse vir
aqui agradecê-la. Eu imaginei que você estudava em algum lugar aqui perto e
procurei pela escola. – Ele disse. – Qual seu nome? – Perguntou.
- Pode me chamar de Lia. E você, como se
chama?
- Pode me chamar de Anael.
Eu o olhei e percebi que não estava mais
vestido com as roupas sujas. Usava agora outro jeans e um suéter branco. Seu
sorriso era o mais sincero e venturoso. A mansidão da sua voz que provia uma
melodia deixava meus ouvidos atentos e me dava vontade de dançar nas letras que
ele proferia. Depois de pedir minha permissão Anael me acompanhou até em casa.
Ele caminhava graciosamente e seus olhos ponderavam a estrada que seguíamos.
Senti que devia confiar nele e que, sua ternura e carinho estavam me fazendo
ter tranquilidade.
- Então? Que missão é essa? E que caminho
você tinha que seguir? – Perguntei.
- Eu vim entregar uma mensagem para uma
mulher. Mas, eu não a achei. Talvez você possa me ajudar, eu tive que ficar na
porta de sua casa para saber se era lá que ela morava. Tenho que falar com ela o mais rápido
possível. Os dias passam e a mensagem pesa e minha missão fica mais difícil.
- Mas que tipo de mensagem é essa? Existe a
tecnologia que ajuda muito, e também tem o correio. Você tem que entregar
pessoalmente? – perguntei.
- Sim. É muito importante. Tenho que me
certificar que ela vai receber.
- Mas você sabe o nome desta mulher? –
Perguntei.
- Sim. Ela se chama Hortência Brandão.
- Sei quem é. – Dei risada. – A senhora Hortência
mora ao lado da minha casa.
- O que você sabe sobre ela? – Anael
perguntou com o cenho franzido.
- Porque você quer saber? Será que você é
de confiança? - Dessa vez não sorri. -Como
saberei? – Concluí.
- Você tem que acreditar, porque eu sou
confiável. Não sente isso? – Ele sorriu. Eu realmente sentia. Mas, não sabia explicar.
Mesmo o conhecendo há algumas horas. Meu coração estava manso a mercê do
desconhecido sem medo nenhum.
- Ela é uma senhora já de idade. Mora
sozinha há mais de 10 anos desde que seu marido faleceu. Ela quase nunca sai de
casa.
- E porque ela não sai de casa? – Ele
perguntou.
- Isso eu não sei. Deve estar de luto
ainda. – Falei cautelosamente.
Eu o levei até a casa da senhora Hortência.
Ela raramente recebia visitas de estranhos e como já me conhecia fui à frente
para não assustá-la. Ela abriu a cortina com os olhos arregalados. Quando viu
que era eu, abriu a porta.
- Pode entrar Lia querida. – Dizia ela, com
a voz envelhecida e serena. - Tem notícia de sua mãe? – Ela perguntou indo
sentar.
- Ela ainda está viajando senhora. Mas, eu vim
aqui porque tem um rapaz muito simpático que gostaria de falar com a senhora. –
Ela sorriu e isso era bom.
Anael entrou e a senhora Hortência o olhou
timidamente. A velha senhora estava com um pouco de medo, mas quando Anael a abraçou
ela sentiu-se um bebê sendo acolhido pelos braços da mãe. De repente começou a
assobiar uma canção de ninar entre seus lábios, ainda abraçada á Anael. O
garoto tirou do bolso uma carta e a senhora Hortência a abriu imediatamente.
Ela leu em silêncio e depois olhou para o
garoto em sua frente. Seu sorriso se abria animadamente e parecia que ela
estava tirando uma velha carga das costas. Uma semana depois a senhora
Hortência já estava saindo com frequência de sua casa. Ela ia á igreja, visitava
as suas antigas amigas e fazia as próprias compras no mercado perto do centro
da cidade. O que Anael fez para libertá-la da escuridão eu não sei, mas agora
ela vivia.
Em uma quarta-feira de sol a senhora
Hortência passou em frente a minha casa muito alegre e não me contive para
perguntar.
- Oi senhora Hortência? Como vai? –
Perguntei.
- Muito bem querida e você? E como vai seu
amigo? – Perguntou.
- Não o vi mais. – Disse tristemente. – Me
diz uma coisa. Só por curiosidade, o que estava escrito naquela carta que a fez
tão feliz? – Perguntei.
- Estava escrito uma única palavra querida.
“Viva”. – Ela disse, deixando a palavra no ar. - Foi uma mensagem dos céus.
Quando meu marido faleceu me culpei porque achei não ter cuidado dele direito.
E, resolvi viver na escuridão para pagar pelo que fiz. Quando Anael apareceu
entendi tudo. Compreendi que simplesmente era hora do meu velho ir. – Ela disse
com verdadeiramente.
- Como assim mensagem dos céus? – Perguntei
curiosa.
- Um mensageiro de Deus. – Ela sorriu e
depois, seguiu seu caminho.
A senhora Hortência me deixou com aquelas
últimas palavras na minha cabeça. Será que, Anael era um anjo? Fiquei me
perguntando o tempo todo. Queria de qualquer jeito ter certeza disso. Se as
pessoas acreditavam nessa criaturinha angelical, eu também poderia acreditar.
Porque não? Anael apareceu em forma humana. Mas era bonito demais. E, quando
falava parecia estar cantando.
O sol estava se pondo e o céu estava num
tom alaranjado com rosa. As nuvens estavam brancas como a neve e enfileiradas
lá em cima. Não havia vento nenhum. Então, sentada na porta da sala eu fechei
os olhos. Não sabia exatamente o que pediria, mas fiquei em silêncio. Em
pensamento eu pedi um sinal de Anael.
Se ele realmente fosse anjo eu tinha que
saber, pois meu coração não poderia se apaixonar por um ser de outra dimensão. Anael me dê um sinal. Eu disse. E repeti
várias vezes. Um vento então começou a soprar contra meu rosto e eu ainda
permaneci de olhos fechados. Senti o vento me gelar e de repente senti algo encostar-se
ao meu braço. Ao abrir os olhos uma pena estava em cima do meu braço. Eu não
consegui conter a felicidade que eu senti naquele momento. De onde veio a pena? Será que era o sinal? Ela não parecia ser de
um pássaro. Acho que tinha uns 10 cm e era branca demais. Eu sorri. Olhei para
o céu para agradecer a Anael.
Não sei se era minha imaginação, mas vi a
forma de um anjo lá em cima. Partes das nuvens formavam as asas e o restante o
corpo em forma humana. Senti amor, paz, alegria e entusiasmo naquele momento. Um anjo em minha porta, quem
acreditaria? Mas, não importava, pois eu acreditava. Tive a oportunidade de ver
um anjo e senti sua presença. Dias depois eu comecei a escrever em meu diário. De
noite, distraída alguém bateu em minha porta. Corri para abrir.
- Não posso impedir que você me esqueça mas
digo que há impossibilidades neste mundo. – Ele disse, passando suas mãos
macias em meus cabelos.
Eu me deliciei com aquele momento. Quem
diria um celestial aqui na minha humilde residência? Apeguei-me àquele instante
mais do que tudo o que eu já amava em minha vida. Ouvi de repente uma canção de
ninar que já conhecia e nos braços do anjo fechei os olhos. Então, ouvi uma voz
melosa e serena entrando em meus ouvidos me fazendo sentir que o sono a
qualquer momento me derrubaria. “Durma com os anjos” e foi essa a frase que
Anael disse antes de partir. Talvez para mais uma missão, depois daquele dia,
eu não o vi mais. Entretanto, ainda, em minutos de tristeza e pensamentos
deixados no ar com perguntas sem respostas, sinto que ele se manifesta pela
natureza querendo me ajudar a encontrar os caminhos certos.
Criado em: 24 – 09 – 2011