Ele vagava
pelas ruas das ilusões, com vestimentas de orgulho ferido; egos evasivos. Era o
tipo de pessoa avessa às mudanças e, que somente o vento da morte era soprado
aos seus ouvidos. O sujeito tinha a visão distorcida e passeava pelas suas
verdades inventadas. Além disso, essas verdades não verdadeiras eram os
alimentos, para seus tantos egos desconhecidos e esfomeados.
E todos os
dias ele inventava uma encrenca, e foi apelidado pelas pessoas de Zé encrenca. Adorava
dizer que sabia de tudo sem ao menos saber. Acordava cedo resmungando porque
tinha que trabalhar, e voltava para casa porque estava cansado, ainda que a
criatura divagasse pelas ruelas da sua fé cega, tentando convencer os outros do
que ele havia criado.
O Zé
encrenca arranjava confusão com todas as pessoas que conhecia, morava sozinho,
na sua completa solidão. Mas não era por opção, era porque ninguém o aguentava.
O sujeito reclamava até se uma pedra tombasse seu caminho, e seria capaz de
amaldiçoar a coitada da pedra por ser um ser inanimado e também, por existir.
Ele fazia
um fuzuê se alguém ousasse dizer que ele estava errado em alguma coisa,
afastava facilmente as pessoas do seu convívio, pois sua língua era venenosa e
sem freio. Era egocentrismo puro, e sempre agia por interesse, nunca dava nada
a ninguém, só queria receber. Mas também, seu histórico de vida era mais
congelado que Freezer. E, o Zé tinha
seus sentimentos lá dentro, congelados, visto que ninguém conseguia compreender
o motivo de tanta ruindade numa pessoa só.
Certo dia,
Zé encrenca, concentrado em seu trabalho viu passar uma mulher que chamou sua
atenção por estar chorando, ela levava os dedos nos olhos para tirar lágrimas,
distraído com a situação cortou o dedo com a ferramenta
que estava usando e
gritou. A mulher nem o havia notado, logo desapareceu. Zé encrenca foi ao
Hospital e levou alguns pontos e teve que ficar alguns dias afastados.
Na manhã
seguinte, assustou-se quando acordou mais tarde e vendo o horário no
despertador, levantou-se rápido, mas quando olhou para o dedo lembrou-se que não
podia ir trabalhar. Sentiu de leve uma alegria por não ter que ir fazer o esforço que tanto reclamava. Vida de malandro era com ele mesmo.
À medida
que os dias iam passando, ele ia se sentindo mais solitário do que já era.
Olhava o telefone e sabia que não tinha ninguém para ligar e muito menos de receber ligações. Não sabia mexer na
internet, embora tivesse um computador, só para dizer aos outros que também tinha um, mal sabia usar o teclado, quanto mais
escrever alguma coisa.
Na rua ele tinha com quem brigar, arranjar discussão.
Mas, em casa, sozinho, com quem ele ia brigar? Sua vida já era uma anarquia,
ficou pior depois que a sua facilidade de melindrar não servia para nada.
Afundou-se no sofá e dormiu.
Zé encrenca
também sonhava, mas seus sonhos não eram bons, às vezes ele tinha pesadelos.
Não era de falar de emoções, mas elas apareciam em seus sonhos para lhe
afrontar, uma vez que era isso o reflexo do seu dia a dia, ele só atraía
pessoas de má índole. E sonhou que estava brigando com alguém muito mais forte,
levara uma surra e acordou sentindo seu pescoço doer e uma sensação de ter
areia na garganta. Ficou assustado em demasia e ainda era de tarde, era o
quinto dia em casa.
A noite adentrou o recinto e o vento frio veio com tudo. Zé encrenca tentou preparar
uma sopa, deixou a TV ligada para distrair sua mente com as notícias e ouviu
que um homem muito perigoso havia destruído a vida de uma família inteira,
porque era desequilibrado, que a polícia estava o
procurando, já que o sujeito estava fugindo, e ainda, a polícia alertava,
mostrando a foto dele, que o homem tinha histórico de esquizofrenia,
bipolaridade. Nesse momento, a porta sofreu um estrondo, que deveria ter sido o vento, já que ele morava numa casa de madeira bem modesta e, Zé assustou-se, e cortou de leve o outro dedo.
- Ah que
merda!
Algo
estremeceu dentro dele, quando o medo adentrava sua mente ele ficava em pânico,
em alerta, com receio de dormir e ser levado pelas forças do mal. Ao pensar em tudo isso, foi ao quarto fazer um curativo para seu dedo cortado. Resmungou
alguma coisa para si e voltou à cozinha. Terminou a sopa, comeu e sentou-se no
sofá. Continuou a ver TV, e sentiu um vazio o consumir.
A
melancolia ultrapassou Zé encrenca quando percebeu que o mundo não era do jeito
que ele pensava. A TV conversou bastante com ele, mostrando imagens, histórias,
propagandas que tocara ele de um jeito bruto, arrombando a porta que ele havia
fechado dentro de si. O pai dele na infância disse que ele era um nada porque nunca
obedecia, era rebelde, ele cresceu com essa mensagem na cabeça. Ninguém conhecia a história de Zé, ele não deixava.
Zé
adormeceu no sofá, e logo veio mais pesadelos. Figuras horrendas faziam-no de
escravo, e surravam-no com maior gosto. Puseram fogo num monte de madeira e
jogaram ele. Zé acordou sentindo dores e sensação de estar queimado, com muito
calor. Levantou, olhou-se no espelho e não havia marcas. Tudo ainda estava registrado em
sua memória e foi aí que Zé pediu ajuda.
Ajoelhou-se
de frente ao sofá, juntou as palmas das mãos e fez uma oração, pedindo para que
isso terminasse. Em seguida, em meia hora caiu em sono profundo. No dia
seguinte, ao acordar, sentiu que havia descansado bastante e não teve
pesadelos. Ele havia gostado do resultado e prometeu orar todas as noites antes
de dormir.
Zé acordou disposto no dia de começar a trabalhar, os dedo já estavam bons, haviam curado
rápido. No caminho, as mesmas pessoas que ele gostava de afrontar o acharam
diferente.
- Ei Zé, o
seu dedo está melhor?
Ele quase
respondeu com má educação, mas segurou as palavras e deu um ok com o polegar e foi em
frente. Estava com vontade de não se incomodar, pois agora havia descoberto que
podia dormir bem. Foi comprar um café ao lado da banca de revista, deu uma
golada e o café estava sem açúcar, sua língua não ficou quieta e ele tratou mal a atendente. Estava com raiva. Ela pediu desculpa e disse que esqueceu, teve
uma noite ruim.
- O que eu
tenho com isso garota? Você é paga para isso! Faça seu trabalho direito, espero
que isso não aconteça mais, pois seu chefe vai saber que você não é boa o
suficiente para estar aí.
Zé fez a
garota chorar, fechou a cara e saiu. Havia outras pessoas que olharam para ele com desgosto, e ele nem
sequer pediu desculpas. A maioria das pessoas ali já o
conheciam, principalmente a garota, pois ele tomava café todo dia lá.
Uma vez Zé
encrenca, sempre encrenca. Já era automático maltratar as pessoas, isso era do
seu feitio. As pessoas teriam que lutar para colocar amor no coração dele sem
desistir, pois ele era o tipo de pessoa que não deixava ser ajudada por achar
que estava muito bem sozinho, mas que fundo, necessitava muito, pois ninguém é feliz sozinho. E voltava para
casa cada vez mais vazio.