sábado, 31 de maio de 2014

Orgulho: um verme roedor




Eu via ao meu redor um tipo de medo estagnado e amordaçado com o tempo, que se cumpria fielmente no coração daqueles que acreditavam somente no presente, como forma de vê a vida. Ninguém de fora é capaz de entender a imensidão de informações que há dentro, ninguém. E quem ousa dizer que entende é um presunçoso, e muito ignorante em relação à vida. Ou não quer ver a verdade, ou tem um medo absurdo de estar errado.
Tudo o que há não faz parte de nada, somente está e não é.
A chuva lá fora imita um céu interno, desfalecido da esperança. Criou uma nebulosidade densa e equável à cegueira, quase fazendo irradiar mais adjetivos do que o normal. Os momentos são guardados em caixas de papelões, dos quais pela água da chuva são retirados pelo fato de estarem molhados. E facilmente se encarregam de ficar tão intangíveis quanto qualquer outro sentimento. Além disso, fogem para outro recinto e, às vezes, se esquecem por lá.
Um dia alguém ousou dizer:
- Vai abrigar-se dentro das tuas portas fechadas e não saia mais de lá, não enquanto continuares cego diante de tanta crueldade que veda teus olhos!
Um dia falaram com os sentimentos de orgulho. Ele morre de medo de ser rebaixado, é tão tolo e ridículo, que se sente grande e poderoso, mas é tão impotente, quanto uma folha de uma árvore que cai e é facilmente levada pelo vento, logo ele a prende e a leva para onde quer. Tanta energia gasta, tanta força em vão, para quê? Para nada. De que serve tudo isso, senão para o não benefício próprio?
Tantas casinhas de luzes são vistas com uma vasta onda de escuridão, que embora haja discussões, a luz só se fortalece quando amansa o mal e o cultiva com carinho e atenção. Mas, o mal sempre quer ser o primeiro em tudo, o melhor, é tão frio quanto o gelo. Mais do que um vento enregelante toda vez que ele tenta impor suas regras gigantescas e dolorosas. Porém, um sopro de amor é um mundo, e um mundo de amor é pesado o suficiente para combater qualquer tipo de maldade. O amor sempre teve mais força. Uma forma de conhecê-lo é saber perdoar, mas quem quer dar o braço a torcer? Ninguém. Eis os caminhos mais difíceis então para aqueles que o orgulho acompanha.
Muitas pessoas se trancam por dentro por medo de ser quem elas querem; muitas vontades são guardadas e criam teias de aranha de tanto tempo presas; muitas verdades não são ditas por medo de perder algo ou alguém. E por que tanto medo? Para quê tanta aflição interna? Se a maioria é tão pequena e sem valor, e há sempre coisas bem piores que isso. O agradecimento pelas coisas já não basta? Seria uma recarga de energia diária, e também evitando desperdiçar palavras sem necessidade. E também, dar amor aos que precisam, sem julgar aos que merecem ou não.
Ser bom para os outros é mais difícil do que ser mal. Eis a questão de tanto orgulho. A lei da destruição está sempre acontecendo, o mau uso dos instrumentos emprestados dá nisso, destruição. É necessário então o processo de sofrimento, por vezes tão insuportável, só por causa de um simples NÃO lá atrás. E também, por medo do julgamento alheio.
Mas quem é você mesmo? Você é só algo emprestado a esse lugar, e uma hora vai morrer. Que tipo de herança moral quer deixar? Não pense que depois da morte você vai descansar, claro que não! É só o começo. O que fará aqui, de bom ou ruim, será cobrado depois, detalhadamente. E sabe quem vai julgar seus atos? Você mesmo! Porque será tirada essa máscara que puseram em você, e verá seus eus em ação e vai sentir vontade de mudar você. Você passou por provas, para tentar se desprender mais do mundo material, para acordar no espiritual. Com o maior objetivo de aperfeiçoar moralmente. E depois, quando você se vê como é de verdade, vai passar a sua vida inteira diante dos seus olhos da alma, que verá com muita clareza o que você foi enquanto estava encarnado. E sabe o que vai acontecer? Ou o que você quer que aconteça? Bom, a escolha é sua. Todos colheremos aquilo que deixamos plantados.
Antes de negar ajuda a alguém, pense primeiro se você é merecer de ser chamado para ajudar. Pois se sua energia não presta, se seu caráter é duvidoso, ou se sua mente, seu corpo, e sua alma não sabem ser caridosos, esquece! Você não tem capacidade para ajudar ninguém, a urgência será ser ajudado por alguém, e ajudar, primeiramente a si mesmo.
Só podemos dar aquilo que temos. Procure entender que, se há orgulho não há humildade, pois um é antônimo do outro. O que você quer?


segunda-feira, 5 de maio de 2014

Crônica do dia: Uns minutos podem mudar uma vida inteira


E esse seria mais um dia como outro qualquer. Acordar cedo para ir ao médico, depois ir trabalhar e depois estudar e, depois dormir. Não crio muitas expectativas em relação à minha vida em seu desenrolar. Sei que a rotina pode ser mexida e coisas podem acontecer de forma que o tempo combine.

Depois do médico, encontrei por acaso um amigo, que estava a trabalho no centro cidade. Eu o convidei para tomar um café, pois estava louca para tomar um e, colocamos o papo em dia. Nossas conversas são sempre muito boas, é assunto que não acaba mais, e o tempo passa muito rápido. Quando vejo só tenho mais alguns minutos antes de ir trabalhar.

Passei no supermercado e comprei coisas necessárias. Como não daria para comer num restaurante, peguei algo congelado, um “yakisoba” e levei para meu trabalho. Não gosto nem um pouco de comer comida assim, mas a falta de tempo me fez fazer isso, acho bem melhor do que esses lanches de rua cheio de bactérias. Bem que, às vezes, quebra o galho, mas não prefiro.

Ao chegar ao terminal central, antes de passar a catraca, um homem me chamou a atenção, lamuriava algo que eu não entendia, estava direcionando palavras a mim. Não era um homem qualquer que se vê normalmente e se cumprimenta com espontaneidade, era um homem sem vida. Estava mal vestido, com roupas rasgadas e percebi que ninguém quis dar atenção a ele. Somente por causa da rua roupa suja e seu cheiro horrível de quem não toma banha há séculos.

A verdade é que, na mente de pessoas que moram numa cidade com muitos mendigos, bandidos, pessoas com má índole e juntamente com muita violência, faz com que as pessoas geralmente repudiem figuras assim. Automaticamente se afastem.

Porém, as pessoas julgam muito por causa da aparência. O homem de fato estava mal vestido, roupa rasgada, mal cheirosa, mal cuidada. Sua visão totalmente fora da realidade, olhos tristes e expressão de medo. Ele estava com receio de pedir ajuda, não estava demonstrando querer me roubar. Ele já havia recebido vários nãos pela manhã.Eu o olhei e cheguei bem perto, evitei pensar no odor.

- Moça, cê pode pagá uma passagi prá mim?

- Pra onde você vai?

- É Ticem né?

- Sim, mas para onde você quer ir?

- É Ticem aqui né?

- Esse é um terminal. Qual ônibus você quer pegar?

- Prá ir prá UFSC.

- Para quê?

- Quero ir prá uma clínica que tem lá, na UFSC. Ninguém parô pra me ajudá moça. Tô aqui faz tempo. Ninguém parô.

- Você tem certeza do que quer? - Olhei com pressão.

- Tenho sim moça.

Ele se embaralhou todo querendo me explicar. Encarei ainda mais seus olhos medrosos. Eu estava querendo saber mais e sei que, talvez se eu o encarasse ele não conseguiria me enrolhar. Eu li suas expressões, seus gestos, seu comportamento e não vi nada de ameaçador ali. Sorte dele que eu estava com pressa, senão ia fazer um questionário e analisar se ele merecia a passagem ou não. Porque drogas têm em qualquer lugar, ir de um lugar para outro já não é a questão da fuga das drogas.Tudo começa por uma vontade e resistência à tentação que se quer ignorar.

Ele baixou os olhos, com receio de contar o que queria fazer. Já imaginei muita coisa. Mas, pelo visto, eu fui a única que olhou para ele sem se importar o que o cheiro e sua vestimenta. Se eu ficasse algum tempo na rua sem tomar banho ficaria assim também. Talvez não daquele jeito, mas ficaria uma nojera. Sem manutenção não temos cara limpinha não. Ele só não tem recursos para manter uma boa higiene pessoal.

A criatura queria ajuda para se livrar de algo que estava dentro dela. Talvez um ego que o usasse para se alimentar de coisas do mundão e, que não eram bons: os vícios. Pela sua perspectiva de vida, ele não tinha opção, se alguém não o visse com olhos mais cuidados, ele ficaria ali o dia todo, e ninguém pagaria uma passagem para ele por deduzir que não era certo.

O homem estava por volta dos quarenta anos à mercê dos outros para mudar de vida, ou não. Porém, todos o ignoravam e é muito normal essa atitude.O cara estava calmo, sem sinal de que estava drogado, sem sinal de bebida alcoólica, ou qualquer tipo de fumo naquele momento. Eu olhei nos olhos dele de novo e senti a energia dele. Eu vi o medo, a desilusão, a falta de amor próprio, e a falta de fé. Todavia, algo nele me fez acreditar, algo nele me fez ter fé, de que estava falando a verdade. Eu não senti nada de ruim vindo para mim, mas havia manchas feias dentro dele. Senti um arrepio na hora.

Eu tive na realidade um fio de receio de colocá-lo dentro do terminal. Não foi a primeira vez que fiz isso. E das vezes que fiz eu olhava para ver se a pessoa entrava no ônibus e se comportava. Ninguém gosta de um mendigo dentro do ônibus, já passei por isso. Todos comentam, se afastam, mas não perguntam se ele precisa de alguma coisa.

Eu não podia julgá-lo, não podia fazer isso. Os outros estavam ignorando alguém que queria ajuda. Alguém que pedia socorro baixinho. Por uma questão robotizada. Nem todos que são maltrapilhos são do mal! Alguns não têm opções, não conseguiram ter uma vida que desejavam, talvez por falta de amor e carinho da família. De alguém que desse força. E por outras razões, como os vícios. Além disso, chega uma hora que alguém tem que dar o primeiro passo.

Enfim, passei meu cartão para ele. Os motoristas e cobradores do terminal ficaram olhando e, se falassem alguma coisa é claro que eu o protegeria. Eu estou de TPM, então é mais fácil a minha personalidade justiceira vir de pressa. Ocorreu tudo bem, mas os olhares de preconceito estavam grudados nele. Não sei por que tive essa sensação, mas senti deveria ajudar, e fiz.

- Obrigado, obrigado, obrigado. – Disse o homem

- Faça o que você tem que fazer, senão...

Ainda dei um sermão nele. O cara estava contente e foi em direção ao ônibus que o levava à UFSC. E bem atrás dele, cravei meus olhos em suas costas, para ver se ele ia entrar no ônibus certo. Depois que o vi entrar pedi ajuda a Deus, que o iluminasse em todo o seu trajeto, com bons pensamentos, a fim de não o distrair do que tinha que fazer. Sei que as pessoas que estavam ao redor dele já sentiam repulsa pela sua presença. Entretanto, não o enxergavam como um ser humano. Depois de alguns minutos o ônibus dele partiu.