segunda-feira, 28 de abril de 2014

Ana



Ana era uma garota pobre, sem recurso algum. Tinha sérios problemas em seu núcleo familiar. Sua mãe vivia dentro dos bares e seu pai dentro dos cassinos. Sua situação psicológica não era das boas. Não tinha o amor dos pais, no entanto seu melhor amigo, o Lucas, que por ora era seu anjo da guarda, tinha todo o seu amor. Mas, seus pais a chamavam de louca porque o anjo nunca apareceu.
Na escola ela não era bem tratada pelos colegas. A menina vivia pelos cantos, com seu caderno, sem que algum amigo a chamasse para conversar. Todos, com suas mentalidades imaturas, na faixa de dez a treze anos, não sabiam aceitar a diferença.
Ana não tinha muitas opções de roupa, já havia anos que não sabia o que era roupa nova. Andava já com roupas mais apertadas e curtas para sua idade. Gastas por causa do tempo.
A menina era naturalmente triste, não havia nada que a fizesse sorrir, já nem sabia o que era mostrar os dentes. Cresceu vendo o vício consumir seus pais. Via também as brigas, enquanto sóbrios por pouco tempo.
Quando Lucas aparecia, ela só esticava os lábios e o enchia de perguntas. A garota só tinha dez anos, o que sabia da vida? E o anjo entristecia-se por ver a menina se afundar, sem esperança alguma do futuro. Sem ter tido a oportunidade de falar por si. E muito menos de ter recebido amor.
- Lucas, o que é a vida? Por que tenho pais viciados? Por que eles não cuidam de mim? Por quê? - Perguntou chorosa.
- Você só entenderá mais tarde minha querida. Por ora, aceite seu sofrimento. Seja merecedora dele. Abrace isso que você têm, é crescimento. Um dia chegara a sua vez de sorrir.
- Mas eu só tenho dez anos, e o que eu entendo da vida é à base de sofrimentos. Nunca ganhei uma boneca, não sei o que é isso! Passo fome quase todos os dias, porque meus pais nunca se importam comigo! 
Numa manhã de sol, ao voltar da escola, Ana ficou em frente a uma feira. Olhava as frutas. Não sabia mais qual era o gosto delas. Um feirante a olhou com pena, percebeu suas roupas rasgadas e seu rostinho triste.
- Quer uma fruta menina?
Ela nada respondeu, estava com vergonha.
- Pode escolher a que você quiser. Qual você gosta?
- De banana.
- Então pegue. pode pegar até duas.
Ana pegou a fruta e comeu com muita vontade. O moço da feita a olhou com o coração partido, já havia visto ali antes, e sabia onde ela morava. 
- Obrigada senhor, que Deus te proteja.
E foi para casa, com a outra banana na mão.
A noite chegara e seus pais ainda não haviam voltado. Ana comeu então a outra banana, para não dormir com fome. E logo começou a chorar. A noite toda. Lucas ficou ali, passando energia vital para que ela dormisse bem pesado aquela noite.
No dia seguinte, ao acordar de forma costumeira, foi até à cozinha e se deparou com um corpo jogado no assoalho do chão. Lágrimas vieram morar em seus olhos. Olhou ao redor e tinham mais pessoas, e logo mais atrás outro corpo. Eram seus pais! Como não ouvira nada a noite toda? Sabia que o lugar que morava não era seguro. Havia tiroteio quase todos as noites. E no fundo sabia que, um dia seus pais levariam bala e morreriam.
Ana saiu correndo, havia uma multidão lá fora. A maioria ali eram pessoas muito honestas e trabalhadores, que a conheciam. E os outros, trabalhavam no tráfico de drogas. Até crianças já começavam a se interessar, pela fama que dava no morro. 
Embaixo da ponto ela chorava sem parar.
- Lucas! O que vou fazer agora? Como vou viver sozinha? Não conheço ninguém que cuide de mim!
- Você vai ter sua chance. Seus pais buscaram a morte, foi inevitável. Se envolviam com pessoas erradas.
- Mas por que eu não escutei nada?
 Ele nada respondera. E Ana soubera que fora Lucas quem a fez dormir pesadamente.
A noite chegara e Ana não saiu do lugar, estava com medo de voltar pra casa, de pegarem ela e matá-la também. Fazia frio e tinha uns papelões a solta. Ela pegou e colocou em cima de seu pequeno corpo e logo adormeceu pelo cansaço físico e mental.
No dia seguinte, alguém a viu encolhida de frio que a  maltratara pela madrugada!
- Menina acorde! Que fazes aí pequena?
Ana abriu os olhos assustada e viu a figura de uma mulher envelhecida e com roupas rasgadas.
- Qual seu nome pequena? - Insistiu a senhora.
- Ana.
- Por que está sozinha? Onde estão seus pais?
- Morreram.
- Quando?
- Ontem!
Ana ainda tinha lágrimas nos olhos.
- Venha, vamos comigo! Vou cuidar de você!
- Eu tenho medo!
- Não vai te acontecer nada pequena, prometo! Você deve estar com fome, tenho pão e leite em casa, vamos!
Ana levantou-se e segurou-se nas mãos da mulher. Ela tinha logo adiante sua carroça, e colocara o papelão atrás. O cavalo as guiou até uma pequena casa de madeira, muito surrada pelo tempo.
- Entre menina, vamos, a casa é sua. É pobre, mas pode nos proteger do frio lá fora. Aposto que está com fome.
- To.
A mulher continuara a falar com Ana, à medida que ela foi se acostumando com o ambiente. Ana olhou em volta e viu a casa. Pequena, com quarto, cozinha e banheiro. Havia uma cama velha, um baú e algumas fotos pendurados nas paredes. Na cozinha, uma geladeira gasta pelo tempo vermelha, um fogão que só funcionava uma boca e uma mesa de madeira com somente suas cadeiras. As louças eram todas penduras acima da pia. Dois pratos, duas colheres e dois copos. Logo, a senhora lhe deu o pão e o leite.
- A senhora mora sozinha?
- Sim menina. Alguns meses, eu sou viúva. Sei como é perder pessoas que amamos.
- Eu não gostava dos meus pais! - Ela quase gritou.
- Não diga isso não menina, como não gostava?
- Eles eram viciados, e me deixavam passar fome! Quase todos os dias eu ia pra escola sem comer. Eles nunca me deram carinho!
Ana começou a ficar chorosa. E a velha senhora via à sua frente uma menina forte, cuja dor e sofrimento nitidamente aparecia em seu pequeno rosto branquinho. Ana era uma menina linda, longos cabelos loiros e olhos azuis.
E Ana continua, como se precisasse desabafar: - Eles saiam todos os dias, meu pai era um viciado em jogos e minha mãe em bebida alcoólica. Ontem de manhã e vi eles dois deitados no chão, um monte de policiais em volta e quase toda vizinhança lá. Eu fiquei desesperada e sai correndo!
- E não teve medo de ficar na rua sozinha?
- Achei melhor do que voltar para onde eu moro. Senti medo sim, mas não quis voltar.
Ela lembrou de Lucas e preferiu não falar sobre ele.
- Que bom que te achei Ana. Pode ter certeza que aqui, mesmo tendo pouco, eu não deixarei faltar nada a você.
- A senhora vai me deixar ficar aqui? – Ela olhou esperançosa.
- Sim. Eu acredito que Deus a colocou em meu caminho. Perdi meu velho só tem meses, sinto muita falta dele, nós trabalhava junto colhendo papelão. Nós tinha uma vida feliz, não faltava nada. Fiquei com raiva, naquela noite chorei como um bebê, e pedi para o Pai que me enviasse alguém para me fazer companhia, porque a velhice quando chega não vem sozinha. E você aparece, acredito que seja você.
- Mas eu só tenho dez anos! – Ela deixou sair um sorriso.
- Uma pode cuidar da outra.
- E qual o nome da senhora?
- Hortência dos anjos.
Alguns meses depois, Ana já frequentava outra escola. E lembrara que Lucas havia dito que um dia ela entenderia o que acontecera. E numa tarde qualquer, quando Hortência não estava, Ana chamou Lucas.
- Lucas, você desapareceu, por quê?
Ela esperou que ele respondesse. Sentou na mesa da cozinha e abriu seu caderno da escola a fim de fazer as tarefas de casa.
- Porque às vezes, temos que aprender certas coisas sozinhos, e que não devemos só depender dos alicerces que construímos na vida. Você sabe que eu existo, e seus pais não acreditavam. Por isso, eu tinha que ajudar você a passar por essa fase, eu sabia que eles iam morrer e sabia que Hortência apareceria na sua vida. Tudo era opção. E se eu contasse na época, com sua cabeça conturbada, como seria sua reação? Você é quem decide a sua vida minha pequena, e ainda és muito jovem. Você tem uma nova chance, dessa vez está conhecendo outros sentimentos que nunca recebeu ou sentiu: carinho, gratidão, e principalmente, o amor. Agora, siga sua vida e ajude Hortência, pois um dia ela também vai partir e você terá que ser forte. E também, aproveite a oportunidade que Deus deu, pois você merece. Caso você tivesse acordada naquela noite da morte de seus pais, já não estaria aqui, dando essa alegria e força que tens à senhora que lhe tirou da rua.
- Obrigada Lucas!

Mensagem final:
Não importa de onde você veio e quem o criou, e muito menos o que você é agora. O que importa é que você pode escolher como agir, para tomar caminhos que o faça ser mais feliz, se souber aceitar o sofrimento do hoje. Enxergando as pessoas que precisam de ajuda e saber agradecer quando é ajudado, sem questionar. É uma ação que ninguém perde, só ganha.




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