segunda-feira, 5 de maio de 2014

Crônica do dia: Uns minutos podem mudar uma vida inteira


E esse seria mais um dia como outro qualquer. Acordar cedo para ir ao médico, depois ir trabalhar e depois estudar e, depois dormir. Não crio muitas expectativas em relação à minha vida em seu desenrolar. Sei que a rotina pode ser mexida e coisas podem acontecer de forma que o tempo combine.

Depois do médico, encontrei por acaso um amigo, que estava a trabalho no centro cidade. Eu o convidei para tomar um café, pois estava louca para tomar um e, colocamos o papo em dia. Nossas conversas são sempre muito boas, é assunto que não acaba mais, e o tempo passa muito rápido. Quando vejo só tenho mais alguns minutos antes de ir trabalhar.

Passei no supermercado e comprei coisas necessárias. Como não daria para comer num restaurante, peguei algo congelado, um “yakisoba” e levei para meu trabalho. Não gosto nem um pouco de comer comida assim, mas a falta de tempo me fez fazer isso, acho bem melhor do que esses lanches de rua cheio de bactérias. Bem que, às vezes, quebra o galho, mas não prefiro.

Ao chegar ao terminal central, antes de passar a catraca, um homem me chamou a atenção, lamuriava algo que eu não entendia, estava direcionando palavras a mim. Não era um homem qualquer que se vê normalmente e se cumprimenta com espontaneidade, era um homem sem vida. Estava mal vestido, com roupas rasgadas e percebi que ninguém quis dar atenção a ele. Somente por causa da rua roupa suja e seu cheiro horrível de quem não toma banha há séculos.

A verdade é que, na mente de pessoas que moram numa cidade com muitos mendigos, bandidos, pessoas com má índole e juntamente com muita violência, faz com que as pessoas geralmente repudiem figuras assim. Automaticamente se afastem.

Porém, as pessoas julgam muito por causa da aparência. O homem de fato estava mal vestido, roupa rasgada, mal cheirosa, mal cuidada. Sua visão totalmente fora da realidade, olhos tristes e expressão de medo. Ele estava com receio de pedir ajuda, não estava demonstrando querer me roubar. Ele já havia recebido vários nãos pela manhã.Eu o olhei e cheguei bem perto, evitei pensar no odor.

- Moça, cê pode pagá uma passagi prá mim?

- Pra onde você vai?

- É Ticem né?

- Sim, mas para onde você quer ir?

- É Ticem aqui né?

- Esse é um terminal. Qual ônibus você quer pegar?

- Prá ir prá UFSC.

- Para quê?

- Quero ir prá uma clínica que tem lá, na UFSC. Ninguém parô pra me ajudá moça. Tô aqui faz tempo. Ninguém parô.

- Você tem certeza do que quer? - Olhei com pressão.

- Tenho sim moça.

Ele se embaralhou todo querendo me explicar. Encarei ainda mais seus olhos medrosos. Eu estava querendo saber mais e sei que, talvez se eu o encarasse ele não conseguiria me enrolhar. Eu li suas expressões, seus gestos, seu comportamento e não vi nada de ameaçador ali. Sorte dele que eu estava com pressa, senão ia fazer um questionário e analisar se ele merecia a passagem ou não. Porque drogas têm em qualquer lugar, ir de um lugar para outro já não é a questão da fuga das drogas.Tudo começa por uma vontade e resistência à tentação que se quer ignorar.

Ele baixou os olhos, com receio de contar o que queria fazer. Já imaginei muita coisa. Mas, pelo visto, eu fui a única que olhou para ele sem se importar o que o cheiro e sua vestimenta. Se eu ficasse algum tempo na rua sem tomar banho ficaria assim também. Talvez não daquele jeito, mas ficaria uma nojera. Sem manutenção não temos cara limpinha não. Ele só não tem recursos para manter uma boa higiene pessoal.

A criatura queria ajuda para se livrar de algo que estava dentro dela. Talvez um ego que o usasse para se alimentar de coisas do mundão e, que não eram bons: os vícios. Pela sua perspectiva de vida, ele não tinha opção, se alguém não o visse com olhos mais cuidados, ele ficaria ali o dia todo, e ninguém pagaria uma passagem para ele por deduzir que não era certo.

O homem estava por volta dos quarenta anos à mercê dos outros para mudar de vida, ou não. Porém, todos o ignoravam e é muito normal essa atitude.O cara estava calmo, sem sinal de que estava drogado, sem sinal de bebida alcoólica, ou qualquer tipo de fumo naquele momento. Eu olhei nos olhos dele de novo e senti a energia dele. Eu vi o medo, a desilusão, a falta de amor próprio, e a falta de fé. Todavia, algo nele me fez acreditar, algo nele me fez ter fé, de que estava falando a verdade. Eu não senti nada de ruim vindo para mim, mas havia manchas feias dentro dele. Senti um arrepio na hora.

Eu tive na realidade um fio de receio de colocá-lo dentro do terminal. Não foi a primeira vez que fiz isso. E das vezes que fiz eu olhava para ver se a pessoa entrava no ônibus e se comportava. Ninguém gosta de um mendigo dentro do ônibus, já passei por isso. Todos comentam, se afastam, mas não perguntam se ele precisa de alguma coisa.

Eu não podia julgá-lo, não podia fazer isso. Os outros estavam ignorando alguém que queria ajuda. Alguém que pedia socorro baixinho. Por uma questão robotizada. Nem todos que são maltrapilhos são do mal! Alguns não têm opções, não conseguiram ter uma vida que desejavam, talvez por falta de amor e carinho da família. De alguém que desse força. E por outras razões, como os vícios. Além disso, chega uma hora que alguém tem que dar o primeiro passo.

Enfim, passei meu cartão para ele. Os motoristas e cobradores do terminal ficaram olhando e, se falassem alguma coisa é claro que eu o protegeria. Eu estou de TPM, então é mais fácil a minha personalidade justiceira vir de pressa. Ocorreu tudo bem, mas os olhares de preconceito estavam grudados nele. Não sei por que tive essa sensação, mas senti deveria ajudar, e fiz.

- Obrigado, obrigado, obrigado. – Disse o homem

- Faça o que você tem que fazer, senão...

Ainda dei um sermão nele. O cara estava contente e foi em direção ao ônibus que o levava à UFSC. E bem atrás dele, cravei meus olhos em suas costas, para ver se ele ia entrar no ônibus certo. Depois que o vi entrar pedi ajuda a Deus, que o iluminasse em todo o seu trajeto, com bons pensamentos, a fim de não o distrair do que tinha que fazer. Sei que as pessoas que estavam ao redor dele já sentiam repulsa pela sua presença. Entretanto, não o enxergavam como um ser humano. Depois de alguns minutos o ônibus dele partiu.


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